O PROBLEMA DO AMOR DEMAIS
Não conheço o psiquiatra paulista Içami Tiba. Sei que ele tem um nome estranho e 62 anos. Além disso, é um estudioso do comportamento dos jovens. Segundo aprendi sobre Içami Tiba, ele consegue como ninguém diagnosticar a nódoa da droga até no mais sutil usuário. Apesar de não o conhecer não o admiro. Costumamos guardar uma ingênua admiração por quem não conhecemos. Acredito que ele também não me conhece e para o meu desespero, não me admira.
A minha birra com esse senhor meio calvo e que usa óculos para esconder a sua descendência japonesa ou chinesa, se resume exclusivamente no fato de dele ter dito que o amor demais dos pais estraga os jovens, podendo até ser uma lanterna para o porão das drogas. Para a minha felicidade não nasci psiquiatra e nunca estive num divã. Conheço porém meu caro Içami, um pouco dos sintomas do amor e posso lhe garantir com a mais cínica das certezas que ele, assim como a água, não faz mal a ninguém. Pelo contrário: reside no DNA do amor o gene que faz o homem merecer o status de humano.
Digo mais: o que precisamos é exatamente dessa droga. Queremos a dependência total e irreversível. Necessitamos de uma overdose de amor a cada semana, para que não machuquemos as mãos que nos ofertam um pouco de vida todos os dias. Os jovens, doutor, estão morrendo porque desaprenderam o caminho do carinho, da ternura, do perdão. Às vezes, apodrecem meses no corredor da morte à espera de ao menos um simples e acolhedor abraço de mãe, de pai ou de qualquer alma querida. Por falta de amor é que fabricamos crianças já mortas e ainda cometemos o crime de lhes soltar pelo mundo.
Por falta de amor é que ao podarmos as nossas plantas, lembramos assassinamente de deitar fora as flores da esperança. Sim, matamos todos os dias um pouco da esperança do mundo.
Por falta de amor, doutor, é que continuamos a construir presídios de segurança máxima para enjaular os nossos monstros. Não sentimos a necessidade de remorso. Nos deleitamos apenas com o ópio da realidade. Somos um pouco assassinos, quando matamos o belo do amor. Do amor feio, também nos será cobrada sua chance de sobrevivência.
Com uma ousadia enorme te digo, dr. Içami: o senhor está errado. Para a sorte do mundo, sua opinião vale tanto quanto um vaso de flores plantado no coração dos simpáticos inventores da guerra. E nós, jovens, estamos ficando cada dia mais secos. Como árvores inventadas no deserto. Temos pouca chance. Ainda o perdôo, dr. Içami. Há um resto de amor em mim. E por ele, te suplico: não mate em nós a infantil certeza de que o amor nos salvará. Fiquemos combinados, doutor: não pronuncie mais nenhuma palavra sobre o amor até o fim de sua vida.
Deixe que o amor distribua em nós o seu veneno. Dele necessitamos para não desbotarmos a cor da nossa alma.