Meu bebezão faz 19 anos hoje...
Há dezenove anos e alguns meses, tendo finalmente aprendido a letra de Dream a Little Dream e tirado a dita cuja no violão, costumava tocá-la e cantá-la pra rotunda barriga que carregava e gestava o meu sobrinho mais novo, o Ber.
Alguns meses depois, continuei a cantá-la e tocá-la pra fazer o pequeno dormir, nas ocasiões em que ficava de babá-coringa do afilhadinho. O curioso é que ele, desde a primeira vez em que ouviu esta música fora da barriga, pareceu reconhecê-la -- olhou pra mim com aquela expressão de surpresa e encanto que fazemos ao reconhecer alguma coisa há muito tempo vista ou ouvida. E curtia tanto a música que, quando eu imaginava que ele já estava no mais profundo dos sonos e parava de cantar, ele, sem abrir os olhos, levantava a mãozinha e um dedinho e balbuciava: "Maishhh"... E ai de mim se não repetisse ad infinitum a canção!
Era também a madrinha aqui que levava o molecote pra cortar o cabelo e eventualmente o buscava na creche. E dá-lhe conversa! Pois ele puxou e até superou a verborragia da tia. Falávamos sobre tudo e qualquer coisa. Dá gosto de apresentar o mundo e seus fatos pra uma criança que demonstra interesse e curiosidade sobre tudo que se diga a ela.
Poucos anos depois, mudei-me pra uma cidadezinha de interior, onde fiz uma casinha com jeito de chalé de veraneio. E era lá que ele ia, em todas as férias, passar uns dias com a madrinha e seu cachorro. Como o Ber curtia aquelas ocasiões!
Tomávamos banho de cachoeira e passeávamos pelo centro histórico, onde ele gostava de escarafunchar as lojinhas de artesanato, encantado com as pedras de todos os tamanhos e formatos e cores. À noite, já em casa, brincávamos com o vira-latão e fazíamos uma fogueirinha onde assávamos linguiça, batata e milho. Ou então fazíamos jantares de hambúrguer com coca-cola servida em imponentes taças de vinho, à luz de velas. E tudo isso tinha fundo musical, é claro.
Ia da MPB ao jazz, passando pelos velhos rocks e blues. Mas quando se aproximava a hora de dormir, pra sossegar o facho do moleque, eu costumava colocar CDs de música erudita. Era o único meio de fazê-lo parar de lutar contra o sono, coisa que ele considerava pura perda de precioso tempo que poderia ser melhor empregado nas zil possíveis atividades divertidas.
E as conversas continuavam a rolar soltas. Ele me contava sobre a escola e os amigos, sobre os livros que andava lendo, os filmes que havia assistido. Em troca, eu mostrava plantas e bichos e pedras e explicava alguma coisa sobre uns e outros -- a aranha armadeira, que fazia seu ninho entre as pedras, o passarinho que gostava de tomar banho de mangueira, pousado nos galhos mais baixos de um barbatimão, a traça que subia pelas paredes, os gambazinhos e calangos que o cachorro caçava, a caranguejeira capturada num vidro, as rolinhas enfileiradas sobre o muro e que respondiam aos meus assovios, o bicho-pau andando todo desengonçado, os grandes e vorazes gafanhotos que comiam as folhas do limoeiro, as formigas cortadeiras que detonavam os arbustos floridos. Houve até um episódio com uma cascavel que, tendo jantado algum pintinho no quintal do vizinho, resolveu ir fazer a digestão no meu jardim. O Ber entrou em pânico, mas acabou por se encantar quando um amigo meu, que era treinado em capturar cobras venenosas e tinha o instrumento próprio, foi lá nos livrar da visitante indesejada.
Os anos foram passando ligeiros. Eu voltei a morar em Brasília e o Ber foi crescendo não só em altura, mas em instrução, informação e sensibilidade. Muito cedo começou a se interessar por tecnologia e matemática. Nos passeios às livrarias, começou a trocar a seção infanto-juvenil pela tecnológica. E, por causa da matemática, desenvolveu gosto pela música, especialmente a erudita. Ou terá se interessado pela matemática por causa da música? De qualquer modo, começou a estudar piano e tanto se aplicou, que logo tocava muitas das músicas que ouvira à noite, antes de dormir, na casa da madrinha.
Aprendeu um pouco de latim por conta própria, por pura curiosidade, porque queria entender os muitos termos que lia aqui e ali, em citações, e também pra conhecer um pouco das raízes da nossa língua.
E ainda cometeu a façanha de passar no vestibular pra engenharia de redes (algo a ver com informática e telecomunicação) antes mesmo de terminar o segundo grau. E ainda por cima começou a estagiar já no segundo semestre.
Mas apesar deste jeito quase nerd de ser, é sociável e sempre teve muitos amigos "normais" e fazia com eles (como faz até hoje) vários programas típicos da garotada.
Hoje o meu bebezão está fazendo 19 anos.
E está comemorando em grande estilo, num seminário internacional na UnB sobre qualquer coisa muito tecnológica e totalmente esotérica pra velha madrinha aqui captar exatamente o significado. Está no seu elemento.
Mesmo sem entender muito daquilo que é atualmente o seu grande foco de interesse, junto com o piano, fico docemente encantada ao vê-lo tornando-se um jovem adulto bem resolvido, decidido, interessado, inteligente, responsável, além de lindo, saudável, sociável, alegre e muito carinhoso.
Orgulho é pecado, eu sei... Mas este é um que eu cometo sem pudor algum, porque sinto um baita orgulho deste meu afilhado!