Acorda e, mal abre os olhos, é atingida sem chance de fuga, de refúgio. Ela sabe, ele sempre estivera ali, à espreita, aguardando o momento em que ela teria que encará-lo.
Quem disse que os sentimentos não sabem ser traiçoeiros? Ou quem disse exatamente o contrário, que justamente por ser sentimento conseguia sê-lo – traiçoeiro - com especial habilidade?
O sentimento reconhecido, aquela inquietação tão familiar quanto antiga.
Agora tomava conta da sua alma, do seu corpo afastando-a de tudo à sua volta.
Essa inquietação, teimosa, insistente agora não aceitava mais a ignorância. Tantos anos fingindo não notar a presença que, se notada exigiria um gesto, uma palavra, uma atitude.
Tantos anos dando voltas no relógio, pisando as horas, atenta tão somente ao ruído dos seus passos, policiando seus pensamentos e, conseguindo assim fugir da inquietação, da ânsia pelo novo, por uma vida que ela sabia existir, mas não ousava pretendê-la.
Mas a alma alcança lugares que nem a mais brilhante das mentes sonha existir. E ela queria mudar a paisagem da sua janela.
Não gostava de mentir; temia a dificuldade em reconhecer o limite e, ainda pior, se o ultrapassava.
E agora era inevitável; não podia mais ignorar que a tristeza negava-lhe o bom humor; o fracasso negava-lhe a esperança e a covardia trazia-lhe o desamor.
Até nisso era contida, pois, afinal o que é o desamor senão tão somente a ausência do amor? Desamor não é ódio; indiferença, talvez. Não, era apenas a ausência de outro sentimento.
Tudo isso ela pensou ainda sentada na cama. Olhou para o relógio com a certeza que estivera ali, fitando o vazio por horas.
Constatou que foram minutos.
Muito tempo quando o ambiente perde o equilíbrio, quando pensamentos, sentimentos e matéria não acompanham o mesmo ritmo e ficam irremediavelmente em descompasso.
Levantou-se sem fazer ruído, arrumou-se e ganhou a rua consciente de que agora dependia dela colocar tudo de volta ao mesmo ritmo e, finalmente, definir ela própria o compasso de sua vida.
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