O que foi feito da minha Havana?
Itamaury Teles (*)
Faz algumas semanas, escrevi crônica falando da cachaça Havana, de Salinas, e o que aconteceu quando um caminhoneiro solicitou ao “seu” Zé dos Passarim, lá no Brejo, um limão para espremê-lo sobre uma dose daquele preciosíssimo líquido.
Naquela oportunidade – como o meu espaço no jornal é limitado a uma lauda e meia -, prometi contar depois o que acontecera com a Havana que o “seu” Anísio Santiago me presenteara, fazia mais de quinze anos.
Confesso que havia me esquecido da promessa. Todavia, lendo a revista Veja, no último fim de semana, o assunto veio a lume. É que a Havana, hoje comercializada com a marca Anísio Santiago, ocupa o primeiro lugar no “ranking” que a referida revista semanal acaba de divulgar, entre as cachaças envelhecidas. Este fato é motivo de orgulho para Minas Gerais e, em especial, para a região norte-mineira, mesmo porque a segundo colocada também é de Salinas: a Canarinha. Isso num universo de mais de 4 000 marcas dessa bebida, hoje sinônimo de Brasil.
A Havana, além de ser considerada, de há muito, a melhor cachaça do Brasil, é também a mais cara, sendo o seu preço de comercialização maior que o dos melhores whiskeys.
Pois bem. Eu era gerente da Agência Cidade Jardim, do Banco do Brasil, em Belo Horizonte. Naquela época, a agência funcionava em prédio alugado da ABO – Associação Brasileira de Odontologia. Na diretoria da ABO havia um dentista de Salinas (Dr. Murilo), que sempre visitava a cidade natal. E de lá sempre voltava sobraçando preciosa carga: garrafas e mais garrafas de cachaça, para distribuir aos amigos.
Encomendei a ele uma caixa de Havana. Ele me alertara que aquilo era uma missão impossível. O sistemático Anísio Santiago nunca vendia tanta cachaça para um só comprador. Mas ficou de ver o que conseguia...
Na volta, o Dr. Murilo trouxe apenas uma garrafa para mim. E o mais importante: nada me cobrou, porque nada pagara. O “seu” Anísio resolvera presentear aquele gerente quase conterrâneo, de Porteirinha, tão-somente porque meu pai – que também possuíra caminhão e fora um “expert” em mecânica e eletricidade de automóveis -, tinha sido seu velho amigo, desde quando pessoalmente distribuía a sua cachaça pelas cidades da região, em seu Chevrolet Leadmaster 1947.
Guardei a garrafa de Havana que ganhara em local especial, longe do sol e do calor. Sempre que podia, ia ver “como ela estava passando”, em minha modesta adega. Nessas ocasiões, aproveitava para retirar a poeira da garrafa, sacudi-la para contemplar o belo “rosário” de pequenas bolhas que se formavam no gargalo e a guardava novamente, esperando uma data especial para degustá-la com amigos.
Com a ascensão do prestígio social da cachaça, passei a acompanhar a cotação da Havana, em Belo Horizonte. No Mercado Central, havia sempre uma garrafa em exposição numa vitrine e eu lá passava quinzenalmente para ver o preço. Quando superou a casa dos 500 reais, resolvi conferir a garrafa que repousava em meu apartamento. E, péssima surpresa, não mais a encontrei...
Indignado com o desaparecimento da garrafa de Havana, abri sindicância domiciliar, para apurar o paradeiro daquele precioso néctar dos deuses...
Suspeitei da empregada doméstica, mas logo a tirei do rol de possíveis envolvidos naquele “crime”, quando soube que era evangélica e nem sequer pegava em garrafa de cachaça.
Depois de muito investigar, cheguei à conclusão do fim a que deram à minha Havana.
Um dos meus filhos fizera uma farra com colegas de faculdade, no terraço do edifício. Acabada a cerveja, resolveram inovar com uma bebida mais forte. Como nada entendiam de cachaça, pegaram a que acharam disponível no meu estoque – logo a caríssima Havana -, e a misturaram com muito limão, açúcar e água filtrada...
Assim, fizeram com a Havana a mais cara caipirinha do Brasil. Para a alegria deles e para a minha profunda tristeza...
(*) escritor e jornalista
e-mail: itamaury@hotmail.com