ATÉ UM DIA MESTRE DO AFETO!

Como me sinto nesse instante? Acabo de saber que Rolando Toro fez a passagem... Não poderia ter partido num dia menos alegre: terça-feira de Carnaval, dia de folia!

Estive fora do ar nos últimos dias, desfrutando a vida, o amor me deixando viver... Graças à Biodanza, graças à criatividade abundante do nosso amado Mestre Rolando Toro!

Sentada na frente do PC leio os inúmeros emails de despedida de seus filhos, todos nós sementes do seu amor! Amigos, alunos, de perto, de longe, íntimos pela convivência ou pela afinidade e admiração...

Leio esses emails em meio ao alvoroço do meu filho de dez anos e seus três amigos que pedem insistentemente pra que eu os leve a nadar na Lagoa que fica a três quadras de casa, eles pulsam vitalidade e alegria... E eu perplexa olho-os sem reação, em meio a beijinhos e brincadeiras, desliguei o PC, vesti um biquíni, peguei uma cadeira um kit proteção ao Sol, um bloco de anotação e uma caneta.

Saímos caminhando pela rua toda ladeadas por Flamboyants, luxuriantemente floridas em tons de laranja, amarelo e vermelho... Eu atrás e os meninos felizes correndo a minha frente, reporto-me a metáfora de uma poesia de Drummond que por gostar tanto me apropriei: “O céu azul com o vento a pastorear as nuvens” brincalhonas...

Chegamos à lagoa em meio aos muitos tons de verde, árvores arbustos, graminhas e a lagoa verde escuro, quase preta...

Meus meninos imersos e felizes nas águas escuras da lagoa brincam, eu sentada à sombra de uma frondosa amendoeira, suspiro profundamente e me deixo “amolecer”, deslumbrada por todas essas cores, formas, texturas, sons, odores e sabores...

Um bando de maritacas voa rasante e vem se aninhar na amendoeira, olho pra cima, num misto de encantamento e curiosidade – como é feliz a natureza! A vida me toma inteira! Entra-me por todos os poros, me sinto leve, viva, e apesar de triste estou contente! Enfim minhas lágrimas deságuam em meio a um suave sorriso, paradoxo? Não, expressão emocionada de amor profundo pela vida! Então desato a escrever!

Lembro-me das inúmeras vezes em que me desconsertei, em que fiquei assim como hoje perplexa. Nos poucos encontros que tivemos, através de sua presença intensa e dos seus ensinamentos em falas poéticas que me levou a refletir o “lugar comum” no qual muitas vezes eu estava e quase todos estão. Em seus gestos de afeto e sua dança transformadora. Tenho em meu coração muita gratidão a Rolando Toro, ele foi o meu mais instigante mestre, e através das mãos do precioso Orlando Rocha, um maestro da Biodanza, foi aquele que mais me ensinou... Além das palavras, aprendi com seu legado... Com sua dança!

Rolando viverá num “continuum” eterno em cada um de nós, na Biodanza que se expande pelo mundo. Rolando Toro tão humano, simples, porem ousado e ardente, tão vivo dentro de mim! Como na letra da música do Milton Nascimento: “A hora do encontro é também despedida, a plataforma dessa estação é a vida”. Rolando partiu pra outra estação, e como tantos amigos expressaram tão bem, eu também o imagino dançando numa roda de anjos, poetas, artistas, loucos, seres de todas as galáxias uma linda roda alegre e mágica!

Eu o imagino com aquele sorriso largo, olhos ternos, fazendo sua dança sedutora, já totalmente entregue à sua nova realidade! Nós aqui espiamos pelas frestas, compreendemos parcialmente essa despedida e aguardamos um novo encontro.

Novo porque morrer é mistério pra quem fica nessa dimensão terrena, intuímos a viagem e amamos a vida com reverência à sua sacralidade!

Rolando se traduziu bem em seu grande legado – seus poemas, seus livros, sua arte e na sua obra prima, a Biodanza – a dança da vida! Vida tão imensa que não conseguimos abarcar, assim como a infinita criatividade que se propaga em ondas sobre toda a humanidade... Até um dia, Mestre do Afeto!

obs: Rolando Toro, Chileno, Sociólogo, Psicólogo, Antropólogo, Poeta, Escritor, Criador da Biodanza que ele definiu em entrevista a resvista Bons Fluidos de fevereiro 2010, como sendo um sistema de integração humana, de renovação da vitalidade e de reeducação afetiva. Ela é também um reaprendizado da sensação ancestral de estarmos ligados à vida e fazermos parte de um universo vivo e dinâmico, sensação perdida em nossa cultura racional e objetiva que nos "roubou" a vivência plena dos nossos sentidos, a vitalidade, a afetividade, e até mesmo uma espiritualidade mais enraizada, diz Rolando: "Somos seres despedaçados, desconectados, que pensam de um jeito, sentem de outro e atuam numa terceira direção".

Hoje existem mais de dois mil grupos de Biodanza em todo o mundo, um instituto - International Biocentric Foundation - com sede em Santiago no Chile. E no Brasil há grupos em várias cidades de todos os estados. Biodanza não é uma dança formal, qualquer pessoa pode fazer, não há coreografias, ao contrário busca-se recuperar a naturalidade espontaneidade que existe em todos nós.

Rolando morreu aos 86 anos, lindo, firme, suave e de uma lucidez impressionante 16/02/2010, na terça feira de carnaval.

Zeni Bannitz
Enviado por Zeni Bannitz em 20/02/2010
Reeditado em 13/05/2010
Código do texto: T2096531
Classificação de conteúdo: seguro