Ex-padre... e daí?
Fui sacerdote...Não! Eu sou. Errei.
pois dizem que, se fui, sempre serei!
João Pinto (ex-frade)
Durante o carnaval, o reencontro.
Mais de cem ex-seminaristas franciscanos voltaram aos claustros do velho colégio seráfico que, altaneiro e acolhedor, aniversariava. 70 anos!
Alguns ex-alunos "invadiram" - com suas mulheres e filhos - a clausura do convento, ao lado do colégio, quebrando-lhe o monacal silêncio.
Dos mais antigos, abismados, se ouvia: "No meu tempo, isso era impossível... Mulher na clausura?"
A clausura. Nos momentos em que me pus a contemplá-la, vi os passarins, que povoam o seu jardim, olhando admirados para aquele monte de gente que, de uma hora para outra, ali chegara.
Assustados, eles pulavam de galho em galho; saltavam de flor em flor.
Por que tanta gente? Talvez fosse essa, naquele instante, a pergunta que eles faziam, ao perceberem a presença de pessoas estranhas no seu espaço.
Não estavam acostumados com aquele burburinho. Na solidão da clausura, seus companheiros de todas as horas eram os frades.
Nos frades eles viam Francisco de Assis a lhes dizer: "Alô, amigos, Paz e bem!"
*** ***
Nos claustros, mais de cem ex-alunos. A algazarra era total. Falava-se, cantava-se e se rezava quase ao mesmo tempo.
Em meio a todo aquele alvoroço, do meu canto, eu sentia o que o tempo faz com a gente.
Não me refiro aos cabelos brancos da maioria dos ex-seminaristas que lá estava. Cabelos grisalhos deixaram de significar envelhecimento.
Eles estão em pessoas que ainda nem chegaram ao que alguém chamou - não sei se foi o saudoso Josué Montello - de "subúrbios da velhice".
Eu sentia a falta dos colegas que comigo estiveram, na década de 1950, no velho seminário de Ipuarana, alimentando a esperança de um dia virar frade franciscano.
Da minha turma, em 1950 vinte e cinco imberbes, hoje, apenas um é frade: Frei Juliano (José Milton), escritor e poeta. Reza seu Breviário num dos conventos franciscanos do seu querido Pernambuco.
Os outros, morreram, ou sumiram...
*** ***
Nesse reencontro, porém, vivi uma bela experiência.
Durante cinco dias, convivi com alguns ex-frades. Colegas que foram sacerdotes, até o momento em que Deus - eu disse Deus - lhes aconselhou a deixarem a Ordem, e tomarem novos rumos.
Deles ouvi depoimentos comoventes.
Como, por exemplo, o quanto lhes fora difícil renunciar o hábito, para começar tudo novamente.
Todos, por sinal, oriundos de seminários rigorosos e de conventos de portões "lacrados".
Quando o seminarista e o clérigo, por isso, não é mentira, ficavam distantes do mundo; bem longe da realidade!
E o surpreendente é que, ao contrário do que muitos pensaram ou afirmaram, a rigor, não foi o celibato - saíram pra casar; gostavam mesmo era de mulher - que determinou a renúncia ao sacerdócio.
Desistiram quando, "ajudados por ELE", chegaram à conclusão de que não viviam a sua verdadeira vocação.
Continuar assim no convento, seria uma farsa.
Enfrentaram. Deixaram os claustros num tempo em que os ex-padres, até pela Santa Madre Igreja, eram discriminados!
E venceram. Hoje são pais de família honestos, intelectuais do mais alto nível, profissionais dignos e respeitados.
E o que mais me deixou impressionado: depois e apesar de tudo, todos guardam, com desvelo, o espírito franciscano.
Espírito sintetizado neste poema do João Pinto de Queiroz Primo, um ex-frade, poeta, poliglota e músico, reverenciado e querido pelos seus irmãos de ou sem hábito.
CÂNTICO DO SOL MENOR
Francisco de Assis, meu pai e meu irmão, / de mim fazei um sol, embora diminuto. / Eu quero perturbar com minha luz modesta, / a escuridão das noites; / quero aquecer, nascendo o sol, / o frio das madrugadas; / numa esperança estrela-da-manhã, / eu quero colorir de arco-íris / as tristes flores desbotadas; / eu quero matizar de ouro e prata / ás inocentes águas dos regatos; / os corações enfastiados quero despertar / em cânticos de pássaros. / Mesmo se for a minha luz humilde, / - fagulha apenas doutro sol maior - / eu quero ser um vagalume-sol, / meu Pai, meu São Francisco, / para os irmãos mais cegos do que eu.
*** ***
Sou um defensor intransigente dos ex-padres que permancem fiéis ao seu Credo e vivem com lisura e dignidade.
É certo que a Igreja católica já evoluiu bastante, aceitando-os, sem impor maiores restrições.
Mas ainda falta alguma (ou muita?) coisa.
Dou este exemplo: por que um ex-padre não pode ser Ministro Extraordinário da Comunhão?
Sei de alguns calhordas que andam por aí, paramentados, distribuindo o Corpo de Cristo.
Por que, então, o ex-padre, comprovadamente um bom católico, bom cristão, não pode exercer tão nobre mister, na Igreja de Roma?
Ah, só porque é ex-padre? E daí?
Ô Vaticano, se liga.
Ô Papa Bento, acorda.
Nota - Na foto o claustro do Convento de Ipuarana em Campina Grande - Lagoa Seca - Paraíba.
Fui sacerdote...Não! Eu sou. Errei.
pois dizem que, se fui, sempre serei!
João Pinto (ex-frade)
Durante o carnaval, o reencontro.
Mais de cem ex-seminaristas franciscanos voltaram aos claustros do velho colégio seráfico que, altaneiro e acolhedor, aniversariava. 70 anos!
Alguns ex-alunos "invadiram" - com suas mulheres e filhos - a clausura do convento, ao lado do colégio, quebrando-lhe o monacal silêncio.
Dos mais antigos, abismados, se ouvia: "No meu tempo, isso era impossível... Mulher na clausura?"
A clausura. Nos momentos em que me pus a contemplá-la, vi os passarins, que povoam o seu jardim, olhando admirados para aquele monte de gente que, de uma hora para outra, ali chegara.
Assustados, eles pulavam de galho em galho; saltavam de flor em flor.
Por que tanta gente? Talvez fosse essa, naquele instante, a pergunta que eles faziam, ao perceberem a presença de pessoas estranhas no seu espaço.
Não estavam acostumados com aquele burburinho. Na solidão da clausura, seus companheiros de todas as horas eram os frades.
Nos frades eles viam Francisco de Assis a lhes dizer: "Alô, amigos, Paz e bem!"
*** ***
Nos claustros, mais de cem ex-alunos. A algazarra era total. Falava-se, cantava-se e se rezava quase ao mesmo tempo.
Em meio a todo aquele alvoroço, do meu canto, eu sentia o que o tempo faz com a gente.
Não me refiro aos cabelos brancos da maioria dos ex-seminaristas que lá estava. Cabelos grisalhos deixaram de significar envelhecimento.
Eles estão em pessoas que ainda nem chegaram ao que alguém chamou - não sei se foi o saudoso Josué Montello - de "subúrbios da velhice".
Eu sentia a falta dos colegas que comigo estiveram, na década de 1950, no velho seminário de Ipuarana, alimentando a esperança de um dia virar frade franciscano.
Da minha turma, em 1950 vinte e cinco imberbes, hoje, apenas um é frade: Frei Juliano (José Milton), escritor e poeta. Reza seu Breviário num dos conventos franciscanos do seu querido Pernambuco.
Os outros, morreram, ou sumiram...
*** ***
Nesse reencontro, porém, vivi uma bela experiência.
Durante cinco dias, convivi com alguns ex-frades. Colegas que foram sacerdotes, até o momento em que Deus - eu disse Deus - lhes aconselhou a deixarem a Ordem, e tomarem novos rumos.
Deles ouvi depoimentos comoventes.
Como, por exemplo, o quanto lhes fora difícil renunciar o hábito, para começar tudo novamente.
Todos, por sinal, oriundos de seminários rigorosos e de conventos de portões "lacrados".
Quando o seminarista e o clérigo, por isso, não é mentira, ficavam distantes do mundo; bem longe da realidade!
E o surpreendente é que, ao contrário do que muitos pensaram ou afirmaram, a rigor, não foi o celibato - saíram pra casar; gostavam mesmo era de mulher - que determinou a renúncia ao sacerdócio.
Desistiram quando, "ajudados por ELE", chegaram à conclusão de que não viviam a sua verdadeira vocação.
Continuar assim no convento, seria uma farsa.
Enfrentaram. Deixaram os claustros num tempo em que os ex-padres, até pela Santa Madre Igreja, eram discriminados!
E venceram. Hoje são pais de família honestos, intelectuais do mais alto nível, profissionais dignos e respeitados.
E o que mais me deixou impressionado: depois e apesar de tudo, todos guardam, com desvelo, o espírito franciscano.
Espírito sintetizado neste poema do João Pinto de Queiroz Primo, um ex-frade, poeta, poliglota e músico, reverenciado e querido pelos seus irmãos de ou sem hábito.
CÂNTICO DO SOL MENOR
Francisco de Assis, meu pai e meu irmão, / de mim fazei um sol, embora diminuto. / Eu quero perturbar com minha luz modesta, / a escuridão das noites; / quero aquecer, nascendo o sol, / o frio das madrugadas; / numa esperança estrela-da-manhã, / eu quero colorir de arco-íris / as tristes flores desbotadas; / eu quero matizar de ouro e prata / ás inocentes águas dos regatos; / os corações enfastiados quero despertar / em cânticos de pássaros. / Mesmo se for a minha luz humilde, / - fagulha apenas doutro sol maior - / eu quero ser um vagalume-sol, / meu Pai, meu São Francisco, / para os irmãos mais cegos do que eu.
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Sou um defensor intransigente dos ex-padres que permancem fiéis ao seu Credo e vivem com lisura e dignidade.
É certo que a Igreja católica já evoluiu bastante, aceitando-os, sem impor maiores restrições.
Mas ainda falta alguma (ou muita?) coisa.
Dou este exemplo: por que um ex-padre não pode ser Ministro Extraordinário da Comunhão?
Sei de alguns calhordas que andam por aí, paramentados, distribuindo o Corpo de Cristo.
Por que, então, o ex-padre, comprovadamente um bom católico, bom cristão, não pode exercer tão nobre mister, na Igreja de Roma?
Ah, só porque é ex-padre? E daí?
Ô Vaticano, se liga.
Ô Papa Bento, acorda.
Nota - Na foto o claustro do Convento de Ipuarana em Campina Grande - Lagoa Seca - Paraíba.