PLANETA DOS CHIMPANZÉS
A Ciência é uma das minhas grandes inimigas. Cultivo por ela uma espécie de antipaixão. A última que a minha doce oponente me aprontou fere direto o meu orgulho de homem. Pior ainda, o meu providencial e inútil orgulho de humano.
Um insensível cientista americano incluiu os chimpanzés no gênero homo. Agora o chimpanzé é um dos nossos. Não tenho nada contra o simpático animal. Até seria capaz de contribuir com uma ONG que arrecada fundos para combater a sua extinção. Seria uma covardia da minha parte como poeta e, agora irmão, não contribuir para uma causa tão justa.
O cientista garante que temos 99,4% de semelhanças. Suponho que entre mim e um chimpanzé há mais afinidades do que entre meu pai e eu. Tanto eu como ele somos péssimos discípulos da matemática, mas sabemos que nada em nós supera a barreira dos 80%.
Por alguns motivos a minha sarcástica compreensão teve o ímpeto de mandar flores com um cartão de boas vindas a algum chimpanzé. Dizer que sou o mamífero mais feliz do mundo por tê-lo como irmão. Só desisti da gentil tarefa por não haver nenhum exemplar na vizinhança. De agora em diante, os vizinhos terão de ser mais tolerantes. A qualquer momento pode parar um carro com a mudança de uma família de chimpanzés. A vizinhança pode ser até processada por racismo, caso discorde. Felizmente, a Justiça está do lado dos chimpanzés.
Seria interessante ter um chimpanzé ocupando o posto de general do Exército norte-americano. Pelo menos estaríamos livres das bombas inteligentes e dormiríamos tranqüilos com a certeza de que não será acionado o botão que iniciará a terceira guerra mundial.
O chimpanzé, imagino, não resolverá todos os nossos problemas. Mas me consola o fato de que ele não inventará novos problemas. Acredito que o chimpanzé tem vocação para o tédio. O problema do homem é que ele se entedia com o tédio e cisma de inventar coisas. Desde que surgiu o primeiro inventor, a humanidade nunca mais dormiu em paz.
Tolero o cientista americano, mesmo ele chamando Morris Goodman. O seu sobrenome diz que é um bom homem. Não sou um sujeito que duvida de sobrenomes. Só que a mãe dele deve ser como todas as mães. Para essas singelas criaturas, os filhos são a extensão do paraíso. Tolero-o, por saber que ainda nos resta 0,06% de diferentes dos chimpanzés, e é nisso que está o encanto da ciência: não carrega o absoluto da descoberta. Garante, porém duvida. Centesimamente, mas duvida.
Acontece que não perdôo Morris Goodman pelo subdízimo que nos relegou. Não o perdôo porque as mãos mamíferas do homem criou o encanto da arte, mesmo com menos de 0,1%. Não o perdôo, porque o homem inventou a medicina, o direito e a religião. Mesmo que alguns destruam a cada dia a esplêndida beleza da vida, eu me empolgo com o que há de límpido e diamantesco no homem bom e que cultiva imensos jardins. Perco o sono por causa da crente ilusão de sombra que a humanidade me oferece através de uma portinhola. É ilusão, mas acalma-me a alma.
Há ainda aqueles que mesmo em pequenas candeias, distribuem um seco amor. É seco, mas alimenta. E há aqueles que nos fazem sonhar. Sem saber acordam em nós algo de esperança. Uma esperança substituível, porém bálsamo.
Talvez, senhor Morris Goodman, esteja nesses míseros 0,06% o segredo da vida humana. Pode estar aí, meu camarada distante, o darwiniano segredo. Com a nossa milimétrica partícula de átomo humano, fundimo-nos uns aos outros. Do nosso mínimo contato, nasce essa estranha e necessária paisagem que serve de abrigo para suas sábias conclusões.