Menina chorona

Gostava de chorar desde o berço. Nasceu chorando como todo mundo, pegou gosto e não parou mais o berreiro. Chorava por tudo, e por nada. Mirradinha, doente, parece que todas as suas forças eram direcionadas para o esforço de chorar. No seu passado nostálgico, as lembranças são sempre de prantos, às vezes forçados. Menininha chorona, soluçando chamava a atenção. As lágrimas eram sua linguagem particular, aflorando aos olhos por qualquer motivo, até mesmo sem motivo algum.

No seu livro “Memórias – antes que me esqueça”, José Américo de Almeida conta que foi também um menino chorão. “Desde os cueiros, o choro foi meu gênio, minha força de opinião, meu grande argumento”. Vendo-se contrariado, abria a boca no mundo. Às vezes faltavam lágrimas, mas “não entregava os pontos, rasgando a garganta, rouco e exausto”. Se levava palmadas, aí que o choro aumentava, até perder a voz.

José Américo acreditava que o choro é “um remédio infalível, dado por Deus ao gênero humano, aos próprios homens de ferro como Napoleão, Cromwell, Clemanceau, para que derramassem lágrimas com a mesma coragem com que derramavam sangue”. O escritor confessava que só não chorou de alegria “para não estragar meus melhores instantes”.

Hoje a menina, antes chorona, verte suas lágrimas silenciosas e ocultas, nas tristezas profundas, nos desgostos. Mas com dignidade e beleza. E espontaneidade. Uma característica é marcante nos dois chorões: tanto a antiga menininha choradeira quanto o escritor de Areia forjaram personalidades fortes, de vontades firmes, qualidade essencial das pessoas que muito choraram na infância.

O choro é o prelúdio de força de caráter. Meninos bonzinhos e quietinhos, quando adultos são predispostos à subserviência, obedientes e servis. Não servem para liderar, nem para conceber ideias originais, fora dos padrões estabelecidos. Mesmo tímida, a outrora menina chorona é adepta de inovações culturais e artísticas, não se curva diante de nenhum opressor, “liberdade é seu time”, conforme cantou o poeta popular.

Chorando a menininha se abastecia com a matéria-prima emocional que a tornou não influenciável, afetuosa e obediente só a regras de cunho interior. Firmeza e constância que a fez uma pessoa iluminada. De modo que crianças birrentas em excesso, olho nelas. Esses infantes podem ser futuros indivíduos muito especiais. Ou não...

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 19/02/2010
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