DUZÃO DO CHANTILLY
A tia passara mais de vinte anos morando no Mato Grosso quando, por questão de consciência, de espírito ou de ímpeto, comprou uma passagem aérea e desembarcou em Presidente Prudente a fim de rever parentes e conhecer novos membros da família.
Em três semanas falara com irmãos, alguns tios ainda vivos, pai, sobrinhos. Viajara a Presidente Epitácio, dormira em Caiuá, acordara em Rancharia, passara um fim de semana em Assis e perdera um feriado tentando descobrir alguém em Maringá.
Satisfeita, fazia as contas de quanto sobrava e planejava a viagem para a semana seguinte quando um relampejo a fez lembrar um menino que carregara no colo. Indagada, a sobrinha mais velha respondeu que ele trabalhava muito e não teria tempo de vê-la. Viera de tão longe. Valeria o sacrifício, ainda mais sabendo que morava em Prudente.
A sobrinha mais velha esquivou-se das perguntas. Porém, a delicadeza da tia conseguiu extrair informações dos mais jovens que, em troca de boas gorjetas e pizzas generosas, identificaram quem procurava.
- Duzão do Chantilly. É ele quem a senhora procura.
- Duzão do Chantilly? Por que esse nome, perguntou a tia. Seria um artista da culinária?
Todos riram e o mais novo disparou:
- Artista. E que artista, tia!
Caminhou cinco quadras e antes de tomar um táxi entreviu um cartaz de Duzão do Chantilly cujo espetáculo aconteceria na noite seguinte. Acordou cedo, comprou um ingresso numa banca de jornais, descansou à tarde e por volta das dez da noite parou à porta do evento.
- Meu sobrinho vai se apresentar, falou a simpática senhora para um grupo de mulheres agitadas. Uma delas se empolgou e pediu uma foto.
Assombrava-se com a quantidade de mulheres de idades variadas que lotavam o ambiente e se inquietavam com as luzes multicoloridas mudando de acordo com a música. Se aqui é um curso de culinária, pensava a tia, homens realmente não virão.
Sentou-se e esperou ansiosamente o início da “aula”. O nome artístico seria uma genuína homenagem aos dotes culinários do sobrinho. Que orgulho, pensava!
Quase meia hora depois o locutor anunciou a entrada. Trajando terno preto, camisa branca e gravata levemente avermelhada, Duzão do Chantilly deu um volta no pequeno palco, acariciando as faces das espectadoras e apertando as mãos das mais afoitas. A tia observava, impressionada com o porte físico do sobrinho e o galanteio dos olhos. Numa segunda rodada, distribuiu sprays de Chantilly.
Olhou para todos os lados e procuraria descobrir o responsável pelo atraso do bolo que seria coberto quando, ajustando os óculos, vislumbrou o sobrinho sem a parte superior do paletó. Certamente a retirara para facilitar a movimentação na preparação dos alimentos. Dali a pouco, rasgou a camisa branca de mangas compridas e a jogou para a platéia que, ensandecida, rasgou-a em pedaços diferentes.
As espectadoras acionavam euforicamente os jatos de chantilly, cobriam o artista, sugavam a guloseima e, pouco antes de Duzão do Chantilly rasgar a calça num rompante, a velha caiu dura no chão.
Dia seguinte, a cama do hospital parecia desconfortável e a sobrinha mais velha, advertira que não deveria procurar o sobrinho, disparou sarcasticamente:
- Gostou do Chantilly?