Bola ou Búlica
Tinha perdido minhas últimas bolinhas de gude na disputa “a vera” com os moleques da rua Santo Amaro.
Gostava de jogar com as minhas bolas de gude, pois eram muito bonitas e conhecidas como “olhinho”. Pra quem não foi da minha época de garoto, cabe um esclarecimento: eram aquelas bolinhas coloridas, com diversos tons de cores, realmente muito lindas e que não vejo mais nos dias de hoje. Quando chegava na rua, a molecada só queria jogar comigo, todos de olho nos “olhinhos”. Menino criado em apartamento, não tinha a perícia dos “amiguinhos” que viviam na rua o dia inteiro. Conclusão: no fim de toda manhã, voltava para casa só com uma bolinha. Levava dias para convencer minha mãe a comprar mais bolas.
Mas desta vez, mamãe estava irredutível. – Não compro mais as bolinhas, pois você desaparece com elas. – Mas mamãe, a gente joga bolinha de gude a valer e ultimamente tenho dado azar e estou perdendo para os meus amigos. – Perdendo para os seus amigos? Eles devem é estar te roubando. E tem mais: o seu pai ontem quando chegou em casa me disse que passou por você lá na rua e os meninos estavam dizendo palavrões horríveis! – Que palavrões, mãe? Na hora que estamos jogando ninguém fala palavrão. – Como não? Eu até gravei os palavrões. O seu coleguinha italiano, o Pirro, estava aos berros dizendo pra você: “ Marraio, marraio, firidô sô rei!” – Mas mamãe, isso faz parte do jogo, isso queria dizer que ele era o último a jogar e se tecasse a bola do adversário teria o direito a jogar primeiro.- Não vem com essa história, não. E além disso, seu pai disse que você gritava “Companha, ou campanha, não sei bem. Com certeza é um código pra gente não entender e não deve ser boa coisa. – Portanto, não tem dinheiro para comprar mais bolinha de gude.
Não adiantava explicar que companha queria dizer que eu seria o penúltimo a jogar, estava acompanhando quem gritara primeiro marraio. Não adiantava explicar,tudo aquilo era palavrão e pronto.
A situação estava difícil e estava perdendo o meu cartaz junto à molecada, que quando me mudei para a rua Santo Amaro, rua da malandragem carioca, já não vira com bons olhos as sandálias franciscanas que eu usava. Foi nesse dia mesmo, depois da bronca da mamãe, que saí pela rua do Catete , no Rio de Janeiro e fui até a esquina da rua Pedro Américo.
Bem na esquina vejo deslumbrado uma barbearia bem simples, com uma só cadeira. Uma tabuleta com o preço do cabelo:” Cabelo: Cr$ 2,00 (dois cruzeiros)”. A idéia genial explodiu na hora no meu cérebro como um raio. Pensei com meus botões: Passo a cortar meu cabelo nesta nova barbearia e abandono a barbearia de luxo onde minha mãe me obriga a ir, e economizo oito cruzeiros, só pra comprar bola de gude “olhinho”.
No dia seguinte, recebo os dez cruzeiros para cortar o cabelo, corte príncipe Danilo. A recomendação de sempre: “ máquina zero, deixando apenas o topete na frente. Pagar os oito cruzeiros do corte e dois cruzeiros de gorgeta para o seu José, o barbeiro.” Claro, não é preciso ser advinho, passo pela barbearia de luxo, que ficava na rua do Catete, vou até a esquina com a Pedro Américo e já me aboleto na cadeira do barbeiro de dois cruzeiros. Feito o corte, pago os dois cruzeiros, sem dar gorgeta, e , maravilha, fico com oito cruzeiros.
Corro para o armarinho, que ficava entre as duas barbearias e compro centenas de bolinhas de gude. Pelo menos, desta vez, levei um mês para perder todas as bolas, mas no mês seguinte já estava eu com oito cruzeiros para esbanjar. Estava no sétimo céu. Era o “rega-bofe”.
Mas a felicidade só durou dois meses.
No terceiro mês, numa bela tarde, minha mãe me pergunta onde eu estava cortando o cabelo. – Com o seu José, mãe, por que? – Porque você é um mentiroso muito grande, pois já sei que você está cortando numa espulanca e o seu José, vendo você passar pela barbearia dele todo mês e voltar com o cabelo cortado, aliás muito mal cortado, me telefonou e me contou o que está acontecendo. Resultado: volto, muito contrariado, para a barbearia de luxo, gastando sem necessidade os dez cruzeiros, e voltando para casa sem um tostão no bolso .
As bolinhas rareando e já me via, suprema humilhação, abandonando o jogo de búlica e indo pular amarelinha com as meninas. Mas uma vitória, pelo menos, eu tinha conseguido com minha mãe. Não usava mais aquelas “afeminadas” sandálias franciscanas.
Botei pé firme e só usava sapato fechado, ou então ficava descalço, mesmo.
Não sabia jogar bola de gude, mas era muito macho!
Tinha perdido minhas últimas bolinhas de gude na disputa “a vera” com os moleques da rua Santo Amaro.
Gostava de jogar com as minhas bolas de gude, pois eram muito bonitas e conhecidas como “olhinho”. Pra quem não foi da minha época de garoto, cabe um esclarecimento: eram aquelas bolinhas coloridas, com diversos tons de cores, realmente muito lindas e que não vejo mais nos dias de hoje. Quando chegava na rua, a molecada só queria jogar comigo, todos de olho nos “olhinhos”. Menino criado em apartamento, não tinha a perícia dos “amiguinhos” que viviam na rua o dia inteiro. Conclusão: no fim de toda manhã, voltava para casa só com uma bolinha. Levava dias para convencer minha mãe a comprar mais bolas.
Mas desta vez, mamãe estava irredutível. – Não compro mais as bolinhas, pois você desaparece com elas. – Mas mamãe, a gente joga bolinha de gude a valer e ultimamente tenho dado azar e estou perdendo para os meus amigos. – Perdendo para os seus amigos? Eles devem é estar te roubando. E tem mais: o seu pai ontem quando chegou em casa me disse que passou por você lá na rua e os meninos estavam dizendo palavrões horríveis! – Que palavrões, mãe? Na hora que estamos jogando ninguém fala palavrão. – Como não? Eu até gravei os palavrões. O seu coleguinha italiano, o Pirro, estava aos berros dizendo pra você: “ Marraio, marraio, firidô sô rei!” – Mas mamãe, isso faz parte do jogo, isso queria dizer que ele era o último a jogar e se tecasse a bola do adversário teria o direito a jogar primeiro.- Não vem com essa história, não. E além disso, seu pai disse que você gritava “Companha, ou campanha, não sei bem. Com certeza é um código pra gente não entender e não deve ser boa coisa. – Portanto, não tem dinheiro para comprar mais bolinha de gude.
Não adiantava explicar que companha queria dizer que eu seria o penúltimo a jogar, estava acompanhando quem gritara primeiro marraio. Não adiantava explicar,tudo aquilo era palavrão e pronto.
A situação estava difícil e estava perdendo o meu cartaz junto à molecada, que quando me mudei para a rua Santo Amaro, rua da malandragem carioca, já não vira com bons olhos as sandálias franciscanas que eu usava. Foi nesse dia mesmo, depois da bronca da mamãe, que saí pela rua do Catete , no Rio de Janeiro e fui até a esquina da rua Pedro Américo.
Bem na esquina vejo deslumbrado uma barbearia bem simples, com uma só cadeira. Uma tabuleta com o preço do cabelo:” Cabelo: Cr$ 2,00 (dois cruzeiros)”. A idéia genial explodiu na hora no meu cérebro como um raio. Pensei com meus botões: Passo a cortar meu cabelo nesta nova barbearia e abandono a barbearia de luxo onde minha mãe me obriga a ir, e economizo oito cruzeiros, só pra comprar bola de gude “olhinho”.
No dia seguinte, recebo os dez cruzeiros para cortar o cabelo, corte príncipe Danilo. A recomendação de sempre: “ máquina zero, deixando apenas o topete na frente. Pagar os oito cruzeiros do corte e dois cruzeiros de gorgeta para o seu José, o barbeiro.” Claro, não é preciso ser advinho, passo pela barbearia de luxo, que ficava na rua do Catete, vou até a esquina com a Pedro Américo e já me aboleto na cadeira do barbeiro de dois cruzeiros. Feito o corte, pago os dois cruzeiros, sem dar gorgeta, e , maravilha, fico com oito cruzeiros.
Corro para o armarinho, que ficava entre as duas barbearias e compro centenas de bolinhas de gude. Pelo menos, desta vez, levei um mês para perder todas as bolas, mas no mês seguinte já estava eu com oito cruzeiros para esbanjar. Estava no sétimo céu. Era o “rega-bofe”.
Mas a felicidade só durou dois meses.
No terceiro mês, numa bela tarde, minha mãe me pergunta onde eu estava cortando o cabelo. – Com o seu José, mãe, por que? – Porque você é um mentiroso muito grande, pois já sei que você está cortando numa espulanca e o seu José, vendo você passar pela barbearia dele todo mês e voltar com o cabelo cortado, aliás muito mal cortado, me telefonou e me contou o que está acontecendo. Resultado: volto, muito contrariado, para a barbearia de luxo, gastando sem necessidade os dez cruzeiros, e voltando para casa sem um tostão no bolso .
As bolinhas rareando e já me via, suprema humilhação, abandonando o jogo de búlica e indo pular amarelinha com as meninas. Mas uma vitória, pelo menos, eu tinha conseguido com minha mãe. Não usava mais aquelas “afeminadas” sandálias franciscanas.
Botei pé firme e só usava sapato fechado, ou então ficava descalço, mesmo.
Não sabia jogar bola de gude, mas era muito macho!