EU, INGMAR BERGMAN E O RELÓGIO
Um relógio sem ponteiros. Um recém-nascido que não chora, um ancião que não lamenta, uma vida que passa em branco, uma morte encarcerada em circunstâncias perdidas de contexto. Tantas expressões remotas impressas no tempo perdido. Mas, sem ponteiros, o relógio permanece, dubiamente, como uma superfície frágil e aterradora, capaz de rasgar o futuro com a ausência de perspectiva. Silêncio!
A metáfora que traduz a jornada de Isak Borg, protagonista do filme Morangos Silvestres, é perfeita para decifrar a marcação das horas presente em todas as obras de Ingmar Bergman. Horas violadas no romper das emoções. Uma busca desesperada para compreender o sofrimento e superá-lo. Reconciliação!
Desperto assustada. Pela primeira vez sonho que estou perdendo a visão ofuscada pela claridade. Percebo fragmentos de uma realidade improvável enquanto sou enclausurada num lugar em ruínas. Estilhaços de vivências formam o mosaico onírico do medo. Acordo, violando o cárcere, e permaneço em busca das origens do sonho. Tento me reencontrar no tempo, mas o relógio automático distante do corpo é silêncio.
Os ponteiros permanecem indiferentes às minhas palpitações. Os sons denunciam a noite. Às cegas, insisto em tatear o sono. Mas... Insônia é como um ponteiro que tenta fugir do relógio. Revolução de sentimentos que alardeam idéias desencontradas. Ansiedade!
Rendo-me! Basta! Sou a face do relógio e deixo a noite me atravessar até que o amanhecer me traga as sombras dos ponteiros.