Carnaval Prozac e mentiras...

Empalideceu o dia e amanhã rebentaria o carnaval nas ruas. Estava insensível a todas as demonstrações caricatas da realidade. Precisava levantar-se de um pulo para o renascimento do simples prazer de viver. Gostava do passado, nele encontrava alento e amigos. Amava o tempo de Lamartine Babo empilhado de marchinhas coloridas que só lhe dava gozo interior. No presente apenas lhe saltava aos olhos um amontoado de canções burras, feitas para acolher uma multidão em êxtase. O êxtase indiscutível do mau gosto.

Talvez fosse bom tomar uma droga, um Prozac. Lembrou-se de que o lançamento do remédio nos Estados Unidos havia alcançado um patamar elevado em vendas. Era possível ir à lua e voltar com os lucros do prozac vendido aos milhões. Lá o medicamento da felicidade, como fora chamado, alcançara cifras elevadíssimas em receitas médicas, até que um imbecil apareceu na televisão para negar o efeito. Revelou que sentia reações suicidas. Como carneirinhos surgiram outros. O efeito carneirinho é devastador e a felicidade acabou tornando-se cara. Deveria fumar um baseado com receita médica, pensou como homo sapiens democrata. Quem sabe conseguiria vestir o roupão com gravata para sair sozinho, mesmo sem bloco, para a rua da alegria. Foi até a esquina para pedir apoio aos jovens acocorados em torno do tabaco ilícito quando ouviu a notícia de que aquele pedaço de cigarro moderno proibido estava custando um valor elevadíssimo.

- Afaste-se! Só os ricos podem fumar neste período.

Os federais acabaram com a alegria dos pobres. Replicaram passando o cigarro entre eles. O moço com camiseta de sociologia deu uma rica baforada explanando a tese de mestrado: “nessa medida de coação estatal para contenção da “especiaria”, contempla-se as leis de mercado, recebendo dela um empurrãozinho do estado no tocante a valorização... , proteção maior pela retenção; elevando o preço do barato". Há épocas em que só os ricos fumam, concluiu sorridente o moço, vestido de D. Pedro II ou Lula, não dando para definir ao certo.

É a reserva de consumo da elite cujo resultado efetivo é: só os afortunados podem fumar erva de qualidade durante esse período crítico. Como as plantas nascem até por si só elas se reconduzem infinitamente porque fazem falta a natureza, completou um deles. Outro sorriu olhando os pardais e dizendo: “a maconha é o prozac do povo!” Todos riram e o rapaz fantasiado de Drácula guardou entre os dedos uma ponta caríssima de fumo que poderia nascer no quintal para acalmar histéricos.

Talvez fosse bom oferecer cigarros, tradicionais. Para surpresa da melancolia introspectiva nenhum deles fumava o cigarro convencional das tabacarias. Nem bebiam. Um deles tomava chimarrão e lhe ofereceu. Recusou por medo de contrair hepatite.

Voltou para casa sem prozac com raiva da televisão que manifestava tendências suicidas para exagerados. Viveria o carnaval sem os pulos do carnaval. Precisava de ajuda técnica para se divertir sozinho. Na rua continuava o leão rugindo alegre com todos os seus vasos capilares exsudando ritmo em busca da alucinação tranquila. Porém a canção baiana feria os seus ouvidos musicais.

Arrastou-se até a avenida. Em meio à multidão pisou no pé de uma húngara que emitiu uma interjeição graciosa: "Haj!" Expressão que o acompanhante tomou como “afaste-se”, rugindo para o lado. Nenhum componente mágico surgia para modificar o tédio descomunal de quem se sente longe da brincadeira. Precisava de hipnose no tempo em que a vida era tratada apenas como substância e custo.

No carnaval seguinte havia decidido. Viajaria para Hungria atrás da bela loira que havia lhe gemido um “haj!”

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O texto sofreu alguns cortes por causa dos tiques da rede elétrica.

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 17/02/2010
Reeditado em 25/10/2016
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