TANGERINI NÃO TEM MEDO DE CARETA

TANGERINI NÃO TEM MEDO DE CARETA 1

Nelson Marzullo Tangerini

No dia 22 de maio de 1943, a revista CARETA publica um soneto de Nestor Tangerini:

DIÁLOGO

- Olá, “Seu” Frederico! – Olá, Joaquim!

- O senhor em São Paulo?... Que surpresa!...

- É verdade, Joaquim. É que a Teresa

me pediu que viesse, eu então vim.

- E como vai dona Teresa? – Assim

qual Deus a fez, ou fê-la a Natureza.

Sempre a dar seus palpites, na certeza

de que, pensando, é superior a mim.

- Quer dizer que o senhor, seguindo a idéia

pela qual desde muito ela se bate,

resolveu dar um pulo à Paulicéa...

E o Frederico interrompeu: - Não, não...

venho comprar um quilo de tomate,

que lá no Rio custa um dinheirão!...

Sem saber que o poeta era também gramático, a arrogante revista, lida por “intelectuais” modernistas do Rio de Janeiro, que ainda se alimentavam dos frutos plantados pelos entediados burgueses do Movimento de 22, faz-lhe uma dura e ácida crítica:

“Muito natural o seu diálogo, seu Tangerini, e rigorosamente no metro. Foi pena que a exigência da rima o obrigasse a escrever “um quilo de tomate”, e não de tomates, como deveria ser. Só por isso não lhe enviamos de presente uma dúzia de tangerinas.”

Como a revista não publicou a resposta de Tangerini, coisa que sói acontecer numa imprensa democrática, o poeta foi obrigado a publicá-la na revista VIDA NOVA, págs. 18 e 19, em setembro daquele mesmo ano [1943]:

“Meu caro Escalpelo.

Comentando, em sua “Careta”, de 22, os meus quatorze versos DIÁLOGO, diz o amigo:

“Muito natural o seu diálogo, seu Tangerini, e rigorosamente no metro. Foi pena que a exigência da rima o tivesse levado a escrever “um quilo de tomate”, e não de tomates, como devia ser. Só por isso não lhe enviamos uma dúzia de tangerinas”.

Primeiramente, os meus agradecimentos pelas referências à naturalidade e à métrica. E, agora, algumas palavras a respeito da frase impugnada.

Não foi a rima que me levou a escrever “quilo de tomate”.

Os substantivos “materiais”, regidos da preposição “de”, em frases nominais como “quilo de milho”, “quilo de azeitona”, ficam no singular quando tomados em sentido genérico, e vão para o plural se tomados em sentido específico, podendo, assim, dizer-se “quilo de tomate” ou “quilo de tomates”.

“No grupo – geléia de marmelo (di-lo Carlos Pereira em sua GRAMÁTICA HISTÓRICA, pág. 373), levanta-se a dúvida se marmelo designa o “gênero” ou a “espécie”, se deve ir para o singular ou para o plural”.

Os Docs. da Academia Francesa, de 1798 e 1835, escrevem – “patê d´amende” ou “d´amendes”, “gelée de pomme” ou “marellade de pommes”, “um pied d´oillets” e “d´oillet”.

Em português, há casos em que se atende ao gênero, casos em que se atende à espécie e casos em que é facultado optar.

Em “quilo de papel”, impôs-se o gênero (pois “quilo de papéis” encerra outro sentido); em “dúzia de tomates”, faz-se valer a espécie (porquanto a cada unidade corresponde um fruto).

Em “quilo de tomate” ou “quilo de tomates”, fica o gênero ou a espécie à escolha do espírito do freguês...

O que o uso vem firmando, porém, é “quilo de tomate”, ao lado de “quilo de alho” e “quilo de camarão”, tendo em mira o produto, e não a quantidade como descontínua.

Em abono de “quilo de tomate”, temos ainda “canteiro de violeta, do sobre-citado mestre Carlos Pereira (GRAMÁTICA EXPOSITIVA – Curso Superior, pág. 301. – 48a. ad., revista por Laudelino Freire).

Não foi, portanto, levado pela rima, senão justamente pela naturalidade que preferi a expressão “quilo de tomate”, à sintaxe “quilo de tomates”, por se me haver esta afigurado preciosa na boca do personagem a quem trato de “o Frederico”, apresentando-o apenas em simples conversa de rua.

É verdade que , a tirar pela sua parte no diálogo, o Frederico não fala mal; não obstante, muito longe está ele de ser o meu falecido Simplício, homem dado à filologia, e cujas palavras ao despedir-se da vida foram as seguintes:

Meus filhos... Desta vez, eu me vou... ou vou-me, como também se pode dizer... ou pode dizer-se... Adeus...

Quanto à dúzia de tangerinas, foi melhor não haver-ma enviado: “Traíra não come seu parente”...

Nos dias apertados que estávamos vivendo, eu preferia “um quilo de feijões”...

Sem mais, um abraço e a minha admiração.

Rio, 23 de maio de 1943.

TANGERINI”

Mas a democrática revista Careta voltaria à questão [nos bastidores] - para perder mais uma vez.

Na próxima crônica, a continuação e a finalização da polêmica,

com vitória de 3 x 0 para Nestor Tangerini.

Nelson Marzullo Tangerini, 54 anos, é escritor, jornalista, poeta, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini, e sócio da ABI, Associação Brasileira de Imprensa.

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Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 17/02/2010
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