Estresse Moderno
As cidades estão mais barulhentas. Bares, buzinas, gritos, templos de orações, motores de carros, motos, ônibus... Romildo mudou da cidade de São Paulo para o interior. Nervoso, um tanto, quanto, neurótico, diz acostumado, com o barulho dos aviões, que passam acima do seu prédio. Mora no bairro de Moema na rota dos pousos do aeroporto de Congonhas. A cada cinco minutos um Boeing faz tremer os vidros do apartamento. O farol do avião passa alumiando a sua sala. Gol, Pantanal, TAM..., mostram a beleza das suas aeronaves, ou melhor, o logotipo de cada uma, pode ser visto, quase no seu tamanho original, devido à baixa altitude. Rose brinca com todos que chegam a sua casa e ficam impressionados com os aviões. “Veja; se você quiser dá para dar tchau para os passageiros e tripulantes, lá da sacada do meu quarto!”
Com a crise nos aeroportos brasileiros, a Infraero estende horário de funcionamento de Congonhas; os roncos dos motores invadem a madrugada. Benedita e Expedita, amigas de Rose, a visitam e passam a noite em claro. Enfim, a Infraero permitiu uma pausa, na madrugada de sábado para domingo, pouso e decolagem encerram às 23 horas e reiniciam às 5 da manhã.
Benedita acorda lá pelas 5 da manhã, com o trinar de um sabiá no arvoredo em frente ao prédio. O som do sabiá remete as lembranças do sítio dos avôs. Cheiro bom de terra. No arvoredo um coral de pássaros dá boas vindas ao amanhecer. O café fumegando no fogão a lenha. A avó na cozinha preparando um pão de torresmo. O gorjear como um mantra embala o seu sono. Dorme feliz, até reiniciar o estrondoso barulho das turbinas dos aviões.
Fica mais um pouco na cama. Levanta toma um banho. Vai à cozinha e encontra Expedita. O cheiro do café ronda pela casa. A mesa é arrumada. Rose sorri para as amigas. Sentam para tomar o café da manhã.
Romildo entra na sala com cara de poucos amigos. Ele que prima pela má educação parece que engoliu um sapo vivo. Resmunga algo. “Não dormi quase nada. E na hora melhor do sono acordo com um maldito sabiá. Por pouco não lhe meti uma sapatada”.
As amigas assustam com tamanha estupidez.
Pois, este homem vai morar no interior. Já, na primeira noite lhe assusta o inexplicável barulho do silêncio. Noites de silêncio escancarado, noites de insônia para Romildo. Mas, naquela madrugada algo acontece. Um som afinado corrói os tímpanos do mal humorado. Levanta e vai até a sacada. Ouve a repetição, daquele som e cerra os punhos, com ódio.
Quinta feira a campainha toca cedo na casa da Creusa. Um guarda do pelotão ambiental entrega uma intimação baseada no Código Municipal; Lei 178/06, artigo 105 alínea C: “Proibido animais para criação e abate... “
“A senhora tem o prazo de dez dias para dar um fim ao galo e as quatro galinhas para não receber multa”.
“Este código não tem nada a ver conosco. Nunca abatemos uma única ave. Elas morrem de velhas.”
Onofre ouve o florestal e argumenta:
“Senhor, como pode esta arbitrariedade? Moramos aqui há mais de 30 anos e sempre tivemos um galo e algumas galinhas garnisés para limpar a nossa chácara dos malfadados escorpiões. O quintal é tão limpo, que se precisar de um bichinho para remédio; o doente morre!”
“Sinto muito senhor, mas, um vizinho mal humorado, se incomodou, com o canto do galo”.
Romildo sempre dormiu com o som das turbinas dos aviões, agora, vivendo o silêncio das madrugadas interioranas, não consegue dormir com o cocoricó de um galo. Vá dormir com um barulho desses!