SÓ PORQUE ESTAMOS NO CARNAVAL
Dizem que o carnaval está acabando, mas eu acho que não é bem assim. Está evoluindo como tudo neste mundo.
Há quem adore e quem odeie, mas, o que é verdade é que os feriados são sempre muito bem vindos e cada um os aproveita como prefere.
Há aqueles que os curtem da maneira tradicional. Colocam uma máscara e paradoxalmente tiram a "máscara" que usaram o resto do ano.
Protegidos pelo anonimato, incentivados pela malícia, explícita ou velada das músicas, anestesiados pelo álcool ou algo mais e, sobretudo, motivado pelo clima de carnaval, as pessoas acabam fazendo coisas que nem elas mesmas sabiam que tinham vontade de fazer, pois, sem dúvida, todos têm guardados no fundo de si mesmos desejos inconfessáveis reprimidos pelas convenções.
Sem qualquer senso de ridículo, cantam desafinados, dançam desengonçados, pulam e gritam histericamente.
Tudo bem! É carnaval! São só três dias!
A coisa só complica, mesmo, quando acabam fazendo alguma besteira da qual se arrependerão pelo resto da vida!
Outros, eu acho que a maioria, aproveita a folga para viajar, visitar parentes em cidades distantes ou, o que é mais comum, ir à praia.
Quem vê o movimento das estradas litorâneas tem a impressão não só de que, de repente, a população duplicou ou triplicou, mas ainda de que todo mundo está descendo a serra na mesma hora.
Quem pode, desce uns dias antes para fugir do engarrafamento, mas não adianta muito porque parece que todos têm a mesma idéia e o congestionamento começa muito antes dos feriados.
Assim, a viagem que seria de duas horas, leva quatro ou até oito, debaixo de sol causticante ou tempestades de verão, mas, finalmente, chegam lá!
Alguns alugam uma casa para oito pessoas e levam dezesseis e depois reclamam que as acomodações são insuficientes e as panelas pequenas.
Outros, não conseguem uma casa e levam a barraca que armam em qualquer lugar e se amontoam dentro dela, como podem.
Outros, ainda, que nem uma barraca têm, vão de qualquer jeito “A gente se acomoda dentro do carro, mesmo. Afinal, não vamos lá pra dormir".
A cidadezinha não tem estrutura para tanto e, embora isto se repita todos os anos e todas as providências sejam tomadas para receber condignamente os turistas, todo mundo sabe que há sempre um limite para estufar uma bexiga.
E falta tudo! Água na torneira para o banho e água engarrafada para beber. Carne, leite, frutas, etc., etc.
Nas padarias, as filas são enormes e constantes. Não há forno que vença assar pão para a fome desvairada de tanta gente.
Pelo menos ninguém pode reclamar que estão vendendo pão velho! O pão mal assado (literalmente) sai do forno diretamente para a sacola do felizardo, primeiro da fila, que lá se vai queimando as mãos, ante-saboreando o nunca tão duramente disputado, café com pão.
Os camelôs se espalham pelas ruas e praias atravancando o trânsito com seus carrinhos de pipoca, cachorro quente, milho cosido, coco verde, sorvete, churrasquinho, e sei lá mais o que.
Vendem tudo que conseguem produzir, independente da qualidade de seu produto e têm que ganhar para o resto do ano, porque o carnaval é o pico da temporada, o fim das férias e da fase áurea de seu comércio.
Como não podia deixar de ser, não faltam oportunistas infiltrados no povão.
Ladrões, ladravazes e ladrõezinhos fazem a festa! Invadem casas, levam carros, afanam bolsas. Não há polícia que consiga manter a ordem no meio de tanta confusão.
Mas é carnaval! Férias! Banhos de mar! Divertimento!
Temos aquela dona de casa de dupla jornada que aproveita as folgas no trabalho fora para pôr a casa em ordem e faz aquela faxina que empregada nenhuma é capaz de fazer, arruma armários, conserta roupas, revisa o quarto dos filhos, obriga o marido a ajudá-la na limpeza, consertar o varal, pintar o portão e mais algumas coisinhas.
Finalmente temos aqueles que não fazem NADA.
Por quatro dias não vão tirar o carro da garagem nem o chinelão do pé.
Vão passar os dias no sofá vendo televisão, espalhando o jornal pela sala, mastigando pipocas.
As noites vão assistir os desfiles, comparando, tentando adivinhar quem vai ganhar este ano.
Se aparecer um parceiro, passa a tarde e até a noite jogando baralho. Afinal amanhã ainda é feriado e ele pode dormir até a hora que quiser.
Que programão!
Bem, amigos, qualquer que seja sua escolha eu lhes desejo um Bom Carnaval.
E, se ainda restar um pouco de paciência para me ler, lá vai uma velha história tirada do meu baú de recordações.
MUSICAS DE CARNAVAL
É engraçada a nossa memória. Guarda episódios sem nenhuma importância e esquece coisas muito mais significativas,
Por que será?
Por que será que me lembrei, hoje, daquele cego que cruzou tão rapidamente o meu caminho, há tanto tempo atrás?
Deve haver um motivo, mas não sei qual é.
A verdade é que me lembrei de um fato ocorrido a muiiiiiiito tempo, quando eu era criança (bota tempo nisso!).
Eu morava em uma cidadezinha do interior, longe da capital e, naqueles tempos, sem rádio, muito menos televisão, as músicas só chegavam até nós através dos discos de vitrola.
Quando alguém viajava, quase sempre, trazia discos das últimas músicas lançadas e a cidade toda ouvia, aprendia e cantava a não poder mais.
Todos os anos, no carnaval, eram lançados sambas e marchinhas na voz de Carmem Miranda, Dalva de Oliveira, Ari Barroso e outros de quem não me lembro mais, mas, muitas vezes, nem chegavam até nós.
Um dia, chegou à cidade um cego acompanhado de uma criança.
Não me lembro se era um menino ou uma menina, só me lembro que ele, ou ela, guiava o cego que devia ser o seu pai.
Ele trazia um punhado de livrinhos com as letras das músicas do ultimo carnaval para vender.
Diante de cada casa ele cantava uma das músicas, acompanhando-se ao violão.
A criançada da rua (naqueles tempos sem violência as crianças andavam livremente pelas ruas), o acompanharam, aprenderam as músicas, cantaram com ele e as mães compraram os livrinhos para ajudar o cego.
Foi um dia muito alegre! Uma festa!
Depois, por muito tempo, as músicas daquele carnaval foram tocadas nos bailes e cantadas pela cidade toda.
Ainda me lembro desta:
"Um pierrô apaixonado
Que vivia só cantando
Por causa de uma Colombina
Acabou chorando,
Acabou chorando!"
Garanto que você que me lê não conheceu esta marchinha, mas vá perguntar para a sua avó que é bem capaz que ela se lembre.