O dia em que me reencontrei com a escrita...
Hoje me reencontrei com a escrita, continuava na mesma esquina onde a costumo deixar... triste e solitária, tal e qual um animal que perde seu dono... seu rosto impávido e sereno, me cortou meu coração... lhe prometi que nunca mais a iria abandonar...
-Mas cá para os meus botões! Acho isso improvável - minhas mudanças de humor são rápidas e inesperadas, vem quando menos eu espero, por vezes chegam em pés de lã e vão carregadas de amargura... a escrita sofre com estas minhas... sim, axaltações de dor...
Ainda ontem, me achei tenso, olhei para o espelho para ver se encontrava uma explicação para os problemas que a vida me tem criado; mas o espelho se manteve quieto e opaco – dando sinal da sua irrefletida posição.
De seguida, um “vazio” tomou conta de mim... me senti rodeado de presas, que querem a todo o custo aclamar o meu sofrimento...
─ Mas não deixarei que levem a melhor sobre mim, irei resistir como puder...
Nisto, alguém toca na minha campainha, deviam ser umas 22h, isso me atormentou, não gosto de receber visitas quanto estou com cara de sofrimento... talvez não queira demonstrar a minha fraqueza... Ainda assim - pensei para mim próprio – vou espreitar pelo binóculo da porta para ver quem é a alma que a esta hora da noite decidiu estragar a minha angústia; mas não vi ninguém, a pessoa deve ser tão pequena que nem consegue ser vista... Trim., trim., trim...
- Ele insistia.
- Já vou - gritei eu - num tom obtuso e impaciente, espere um pouco, estou a tentar encontrar alguma coisa para tapar a minha dor... Passados uns breves minutos, abri a porta, era o entregador de pizzas... que estranho, eu não me lembro de ter encomendado uma coisa redonda com cheiro a Orégãos... Mesmo assim, mostrei minha simpatia, ainda que forçada, e disse-lhe que eu não pedi nada daquilo...
E aí, ele me responde – então aqui não é o bloco I, apartamento 203?
Quando ele disse aquilo eu fiquei meio que pensativo... será que eu estou doido, ou este intruso anda desorientado? Desde que me lembro aqui é o bloco G...
Por isso! ─ respirei de alivio, pois pensei que estava febril... mas não, definitivamente, o moço se enganou no número do bloco... Em seguida me pediu desculpa pelo incomodo, e eu, numa calma aparente, disse: não faz mal, é costume alguém tocar na minha campainha por engano! Já estou habituado... tenha uma ótima noite, e que deus lhe dê juízo (Isso pensei em voz baixa)...
(...) e com os livros
Dia 17 de Outubro de 2009, sábado á tarde, quando o sol tentava se esconder da lua - dei comigo a mexer e a remexer na minha estante! Onde alguns livros me eram estranhos, porventura, livros de algum desconhecido, depois de tentar tirar o pó dos livros como quem aspira o chão, decidi pegar num livro que o nome me acabou agora de fugir, mas, mais á frente irei citá-lo...
Era um livro com cheiro a Jasmim... com umas folhas soltas lá pelo meio, dando sinais de desespero por ter ficado tanto tempo parado naquela estante... Não me lembro como ele veio ali parar... eu não me lembro de o ter comprado... será que é de meu tio?
Hum, não acredito, meu tio para quem não sabe, é um ser desprovido de sentimentos, que passou toda a sua vida vivendo no seio das prostitutas.; não apenas nos seios, mas nas coxas, e por aí adiante... Elas não têm culpa, culpa tem ele de lhes tentar comprar a alma... mas voltando ao livro que me está a deixar inquieto...
Virei de um lado e de outro, e não havia maneira de entrar nele...
Parecia que estava fechado a sete chaves, ou então - era demasiado discreto... depois de um breve silêncio, decidi dar azo à minha curiosidade... Comecei a esfolhar o livro, acompanhado por uma nuvem escura que cismava em levitar sobre mim, o que desde logo não augura boa coisa a este livro... Continuei esfolhando como quem entra no desconhecido... e acabei por chegar ao título do livro; estranho, nunca antes tinha visto um Título tão escondido... hum, pensei cá para mim, isto promete... o livro se chamava “O prazer de uma mulher nos tempos de verão”... Sim, definitivamente, este é um livro de meu tio...
De imediato minha curiosidade arrefeceu... Joguei o livro no chão, como quem atira uma pedra num charco, e lhe dei duas pancadas...
Me levantei da cadeira com uma raiva inesperada, voltei a pegar no livro, e o coloquei bem no fundo da estante – prometi a mim mesmo que jamais lhe iria tocar... mas depois de o entregar ao seu “Final Destination”, me deu uma vontade terrífica de lhe lançar as unhas, nem que seja para o arranhar todo... ou nos meus mais perversos pensamentos - dar uma leitura breve e desapaixonada... esqueçam, isto já não sou eu a falar... é meu homônimo a se levantar das trevas... do prazer carnal... Eu não me revejo neste ser... me perdoem, se pequei...