A escuridão tomou conta de mim
A noite chegou cedo hoje, quase nem dei por ela, veio de mansinho, como quem tenta se aproximar sem ser notada... Apenas senti o seu cheiro de chuva molhada, sua voluptuosidade de menina descalça, sua timidez inesperada. Apanhou-me em trajes menores, como quem se preparava para se refestelar numa cama de dois colchões, com duas almofadas e um lençol.
Vi-me encoberto por uma escuridão confortável, mas ao mesmo tempo estranha e apática. Afinal de contas a luz tinha desaparecido sem motivo aparente... O silêncio era ensurdecedor, por breves minutos, senti uma paz de espírito e uma tranqüilidade anormal; finalmente, algo tinha feito calar os barulhos do exterior que tanto me incomodam: o ar condicionado dos vizinhos que roncam horrores; as discussões entre marido e mulher que se tornam freqüentes junto da minha janela; o choro de bebês que mais se assemelha a bezerros desmamados; o rádio da vizinha que debita toneladas de ruído noite adentro; e até meus vizinhos do andar de cima decidiram deixar a cama descansada... e como as camas antigas fazem barulho quando alguém tenta fazer o pino nelas!
Estranho como a falta de luz levou as pessoas a ter um comportamento tão silencioso. O que demonstra que a escuridão tem um efeito anestésico sobre os pacientes. A partir do momento em que não existe {o olho no olho} tudo se desvanece, e reina a concordância.
Rapidamente me lancei na cama, tal e qual um anjo caído - me estendi ao comprido, e pensei na vida - há muito tempo que não o fazia, o silêncio me possibilitou tal questionamento. Num curto espaço de tempo viajei por mundos nunca antes visitados, conheci pessoas que nunca havia visto... amei sem nunca ter amado.
E com isto me deu uma vontade estratosférica de escrever este texto, no qual me debrucei como uma abelha sobre uma flor. Mas antes de fazê-lo, me levantei da cama e corri em direção à cozinha na esperança de encontrar uma vela, por sorte, vislumbrei em cima do Freezer duas velas bem velhinhas, cujo uso era inexistente. Acendi-as com a ajuda de um isqueiro cinza, e numa tentativa desembestada de segurá-las num cinzeiro queimei um dedo, aquela coisa viscosa da vela tinha acabado por queimar meu dedo mindinho... Há quem diga que a cera é milagrosa, para mim ela foi nefasta.
Depois de muito esforço, consegui segurar as duas velas, e as levei para junto do PC, onde comecei a tricotar este texto: as palavras fluíram com uma rapidez vertiginosa, as frases tornaram-se densas e simples... o teclado começava a gemer, tal era o empenho que eu imprimia na escrita... E de repente, fiquei sem bateria no notebook. Fim da história.
No dia seguinte tentei pegar nela novamente, mas não consegui, tinha passado o momento de inspiração... a escrita é feita de momentos e atos completamente solitários. Escrever não acontece todos os dias, é algo que chega sem bater na porta, e enquanto esse mundo está aberto, é tentar descarregar o que se consegue, pois sua duração é limitada... Mas à medida que vamos escrevendo, esse portal se abre mais vezes e o prazer tende a ser cada vez mais reconfortante e poderoso.
Apesar de ser um completo iniciante nesta arte, me sinto cada vez mais confiante e seguro, parece que cresce em mim um bichinho maravilhoso... Só não sei se sou capaz de o segurar por muito tempo... me questiono todos os dias sobre as minhas reais possibilidades de conseguir uma evolução neste artifício... Sinto que escrever é como se fosse uma bomba relógio, não sabemos quando ela vai rebentar. Para já, vou curtindo ao máximo o momento. Sem me preocupar com o que daqui surgirá, jamais irei forçar o que quer que seja - tudo sairá naturalmente.
Jonny S.