Nós no bloco dos sujos
“A maioria do povo brasileiro é farinha do mesmo saco de seus políticos corruptos. Seus legítimos representantes jamais poderiam deixar de sê-lo, por uma simples questão de causa e efeito. Quando será que o povo brasileiro vai acordar e reconhecer sua culpa neste cartório? Trata-se de um processo histórico de corrupção profundamente encravado no caráter do povo brasileiro. E quem confirmava isto, há um século atrás, era Rui Barbosa”. Assim meu considerado compadre Heitor Reis, engenheiro das Minas Gerais e provocador profissional, se expressa a respeito do escândalo do Governador de Brasília, aquele Arruda dos panetones imorais.
Conheço um compadre que é o típico brasileiro padrão classe média baixa. Casado, pai amoroso de dois filhos, bom vizinho e amigo, cordato, simples, trabalhador e solidário. Revelou um ato censurável com a maior tranquilidade: rouba pipocas, iogurte e frutas do supermercado onde faz compras. E fez um “gato” para fraudar a conta da energia que consome. Não sei se tem a ver, mas lembrei de uma frase de Pena Branca, famoso repórter policial carioca: “O lírio é branco, mas a raiz deve ser preta porque fica na lama”. Descontando o racismo subliminar, acho que tem a ver.
O cara que pisou na terra que nos come e pode dizer que nunca cometeu um deslize é raro como uma ariranha azul albina. Mas o caso do brasileiro é que somos insinceros e torpes no dia-a-dia. Furar fila, dar “toco” ao guarda, dar uma de “Migué” ao receber troco a mais, roubar no peso, declarar valor menor da casa para pagar IPTU mais barato são pecadinhos que parecem irrelevantes. Mas “quem não é fiel no pouco, também não o é no muito”.
Portanto, na hora de esbravejar contra aquele político ladrão, meu compadre e minha comadre façam uma reflexão sobre seu próprio comportamento. Quem não já foi mentiroso, hipócrita, egoísta, sem caráter e sem escrúpulos em algumas situações do cotidiano? Mas veja bem: não digo isso para justificar a corrupção dos gestores públicos e políticos em geral. Não tenho a menor autoridade para julgar quem quer que seja, mas devemos ser humildes o suficiente para aceitar que o brasileiro é, em sua maioria, falho no quesito probidade.
Amiga minha comprou uma casa e descobriu o famoso “gato” da energia. Chamou o antigo proprietário para mandar desligar a instalação irregular. Quem aparece para fazer o serviço? Um funcionário da empresa fornecedora, especialista em armar esse tipo de dispositivo para furtar eletricidade. Surpreso, o funcionário confessou que nunca havia sido chamado para desligar uma gambiarra ilegal, e revelou que o “gato” era banal nas mansões de ricaços moradores da orla marítima.
O panetone do Arruda é pão frequente na mesa do brasileiro. Com a diferença de que, nos porões do poder, a coisa acontece em escala muitíssimo maior. Aqui temos uma só política: a do interesse individual. De forma que o bloco dos sujos cada vez aumenta mais, semelhante ao cordão dos puxa-sacos.