A fuga do medo
A noite já ia alta quando Pedro despertou, alguma coisa o havia perturbado trancado em seu quarto escuro, sentiu uma amargura que se infiltrava até o fundo do seu peito. Mas mesmo com medo, abriu a porta e saiu, de noite aquele corredor era tão comprido e escuro que parecia que não tinha fim.
Escutou de longe alguns gritos e gemidos em direção ao quarto de seus pais, resolveu espiar pelo buraco da fechadura, então viu sua mãe jogada no chão com as costas vermelhas de tantas batidas que seu pai maior e mais forte avançava sobre ela, o quarto encontrava-se desarrumado, gavetas abertas, roupas rasgadas e várias garrafas de cerveja vazias, cujo odor de álcool se espalhava no ar.
Pedro sentiu uma grande vontade de abrir a porta e dar uma sova em seu pai - Já era um Homem!- como dissera uma vez sua mãe ao descobrir que levara uma garota ao baile, tinha 15 anos e podia muito bem se virar sozinho, mas quando olhava para aquela figura grotesca e monstruosa, mordia os lábios e voltava a ser um menino, cuja infância foi fortemente abalada pela violência de seu pai, de quem sempre teve medo.
E, a cada pancada em sua mãe, algo dentro de si latejava como uma úlcera aberta que cismava em não cicatrizar. De repente sentiu seu rosto molhado em lágrimas quentes rolavam em seu rosto, seu coração batia com tão rapidamente que parecia que iria sair de seu peito. Cerrou o punho com tanta força que as unhas (de seus dedos) encravavam em suas mãos, e então sentiu cheiro de sangue.
Precisava fugir, sumir daquele lugar, abandonar aquela cena e seguir para um mundo desconhecido longe de dores e aflições, mas como? Não podia deixar sua mãe continuar daquele jeito, sofrendo todo dia que seu pai bebia. E, num impulso, correu, saiu de sua casa e partiu, seus pés foram descalços movendo-se com rapidez pela madrugada fria. Avistou a delegacia e entrou.
O primeiro raiar do sol já despontava, os vizinhos faziam alvoroço ao redor da casa de Pedro. Cercado de policiais seu pai passou algemado e o olhou fixamente, parecia que a boca do rapaz se entreabria em um leve e presunçoso sorriso, como se um enorme alívio tivesse tomado conta de todo seu corpo.Sua mãe com os olhos ainda umedecidos das dores que ainda a assaltavam, correu e o abraçou, sentiu então o calor de seus braços, o CALOR da paz que nunca havia sentido.