Corrente; on line?!

Clementina abre os seus recados eletrônicos. Cento e cinqüenta e oito mensagens! Devagar vai lendo os seus e-mails. Um deles chama a sua atenção! Uma grande amiga lhe manda uma daquelas famigeradas correntes. O que fazer? Ler ou não ler, eis a questão? O rosto de sua amiga lhe vem com nitidez na memória. “Puxa! Ela quase não me manda nenhum recado. Vou abrir por consideração!”

O e-mail ensina em minúcias; como fazer para ser um elo promissor da corrente da fortuna, e, de como a repassar. Mostra a importância de acreditar, reenviar para ter a vantagem de ver seus desejos realizados. Se o correntista, a repassar para 10 amigos pode fazer um pedido; 20 amigos: dois pedidos; trinta amigos: três pedidos, e, a certeza do retorno garantido na velocidade da luz.

Clementina já vislumbra os três pedidos e como um ninja repassa a corrente para todos os seus contatos eletrônicos. “Postei para mais de trinta amigos de uma vez só. Vou conseguir tudo rápido!”

“Bem! Penso que os projetos, que fiz para trabalhar na Secretária de Cultura e da Educação podem ser os de maior urgência no atendimento. O terceiro pedido deixo para o sentimental... afinal, há quanto tempo estou só? Preciso de um Companheiro.”

Clementina olha para a tela do computar. Fica estática. Reflete!

“Bem! Quero um Companheiro, sem sombras de dúvidas, mais a exigência maior imposta por mim é que seja quieto. Não precisa falar muito para poder me ouvir mais!”

Caraminholou..., caraminholou. Olhou para a tela do computador e explicou para a imagem da corrente, bem a sua frente, personificando-a. “É bom, que ele tenha a minha idade, ou, um pouco mais velho, dessa maneira não pode faltar assunto para o diálogo entre nós dois!”.

Dia seguinte, logo de manhã, ao que fez o pedido recebe um telefonema da Secretaria da Cultura de sua cidade: “Clementina o seu projeto foi aprovado. Venha às 14 horas para conversar e ficar por dentro dos fatos.”

“Nossa! Que corrente da hora. Que rapidez!”

Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiriiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim!

“Alô! Quem fala!”

“Clementina.”

“Aqui é a Rosicler, sou funcionária da Secretaria da Educação da Prefeitura de Terrinha, e, estou ligando para comunicar sobre o seu projeto; “Contar histórias para os deficientes audios-visuais” foi aprovado. Estou no aguardo da sua visita para melhores detalhes.”

O sorriso invade o rosto de Clementina. Satisfeita. A parte financeira está indo de vento em popa, sem dúvida, a corrente deu um impulso, valioso. Agora, a sua espera se resumi ao Companheiro.

A campainha soa logo de manhãzinha. Clementina ensonada vai atender. Rosemarie, a vizinha toda afoita vem com a novidade.

“Ele está aí em frente a sua casa desde cedo. Vai e vem, vem e vai. Neste momento foi até a esquina, mas vai voltar.”

“Quem? Como? Ele?”

Neste momento, o tal do último pedido, isto mesmo, aquele que falta para completar o elo da corrente, se aproxima. Andar cambaleante, se enroscando pelas paredes, meio que, sem saber o que fazer com a vida, bonachão, simpático. De mansinho chega a sua frente! Olha um olhar afetado. Olhar de pedicão!

“ Cle, já aviso, eu não posso dar guarida a ele!”

Enfim, o Companheiro!

Um pouco mais velho que Clementina, magricelo, cego, surdo, com uma hérnia de disco na coluna, e por conseqüência, além, de todos os problemas de saúde, vai se revelar na intimidade, um tanto silencioso, ou melhor: mudo!

“Eita, corrente, porreta! O terceiro pedido foi atendido, como não pensei em um Companheiro de duas patas, recebi um de quatro. Vem Sadan entre pegue o seu osso, e, se instale; a casa é toda sua.”