Um “causo” das Arábias (2)
De forma que a cidade finalmente encontrou uma razão para ter orgulho e sonhar. O caso do extinto que tornou a viver já entrava na esfera das doutrinas e rituais, mexendo com as posições filosóficas e metafísicas. Graves doutores se abalaram para ver de perto o cristão que contemplou Deus e voltou para ser o mensageiro de essenciais e determinantes novas para o futuro da humanidade.
Falsos nacionalistas rondavam o cercado de bois do fazendeiro Adolfo Barbosa, especulando para vender os preciosos campos petrolíferos aos gringos de olhos grandes. Verdadeiros nacionalistas formaram grupos de defesa do petróleo de Itabaiana, aquele que nem precisava apurar para retirar as impurezas, minava pronto dos depósitos subterrâneos jorrando no meio das ruas esburacadas. Era um tesouro suave e essencialmente puro.
Ser itabaianense é um ato de fé, conforme exclamava o prefeito Josué Dias, irmão do sanfoneiro Sivuca. O músico foi chamado às pressas dos Estados Unidos onde se encontrava tocando suas complexas harmonias casadas com os elementos mais simples daquele viver itabaianense. Era necessário um sujeito de porte internacional para mediar os acordos de exploração do nosso petróleo. Como Sivuca só entendia de acordes, ficou por lá mesmo.
Assim Itabaiana viveu sua aventura, sonhou com imensa prosperidade, se agigantaria no futuro, graças a seus recursos naturais: petróleo, terras para plantar e até sol, isto é, energia. Por outro lado, Galo Assado já estava sendo alçado à condição de profeta, mesmo com seus modos ignorantes e indelicados, já impaciente com esse negócio de dar entrevistas e dar a mão para o beijo dos devotos. O “profeta” Gentileza se dizia “amansador dos burros homens da cidade que não tinham esclarecimento”. Galo Assado dava até coice de tão mal educado, mas sem malícia, um santo inofensivo que só sabia vender pão e tomar aguardente.
Durou apenas um dia esse delírio. Descobriu-se que o “petróleo” era gasolina vazando de tanque de combustível do posto para os lençóis fleáticos. Galo Assado teve seu mistério desvendado por doutor Tancredo Mariz, experiente médico da localidade. Tratava-se de um caso de catalepsia. O distúrbio impede o doente de se movimentar. Problemas neurológicos ou emocionais que podem durar de minutos a dias.
A cidade voltou à normalidade. Ficou no ar durante algum tempo aquele desalento, um estado de melancolia de quem se imaginou em grande fausto e acordou na mais humilhante penúria. À noite, não havia uma alma na Rua do Carretel. Sem ânimo, as meretrizes fecharam as pensões. A cidade ficou cercada de solidão por todos os lados. O local mais ermo era a Rua da Facada, nas imediações do sítio de Adolfo Barbosa.
– O petróleo foi nosso e o perdemos, se é que alguém tem algo ou algo pode ser perdido – lastimava filosoficamente o professor Israel Elídio de Carvalho Filho, um socialista renomado.
Meses depois veio a noite, escureceu. Galo Assado morreu de verdade, descansando quieto e esquecido no cemitério. O Exército decretou a ditadura, expulsaram o prefeito Josué, Israel foi preso sob acusação de pertencer a um certo Grupo dos Onze. Itabaiana que acreditou plenamente em sua redenção, caiu aos golpes da “redentora”. O tempo fluiu águas abaixo.