Um Infeliz
Seu João Peçanha naquele dia catou a esposa e se sentou no primeiro barzinho que viu. Não porque era mais deleitoso ou porque o ambiente mais o agradasse mas simplesmente era mais conveniente. Dona Maria Luísa não opinava nessas escolhas porque não cabia a ela, não era ela que trabalhava fora, não era ela que demitia na empresa, nem ao menos se preocupava com a empresa. Aposto que nem sabia que aquela saída era pra comemorar uma semana de vitórias; quantas vendas, quanta prosperação.
Não suportava a presença dela, ficava sempre falando de coisa inútil. Onde já se viu, ante tanto assunto pra conversar, ficar prestando atenção em música? Falava de quando foi composta, quem que cantava e caralho a quatro. Ele queria lá saber de música? Por acaso era o Chico Buarque que enchia a casa de mantimento? Quem levava os carros pra oficina? Quem enchia o bucho dos funcionários?
O casal fingia se suportar enquanto Seu João tecia suas narrativas gloriosas, megalomaníacas. Era conveniente sair, ele ficava menos azedo em casa e ela cumpria seu importante papel de ouvi-lo. O que seria daqueles que se julgam vitoriosos se não fossem ou ouvidos dos desgraçados? Não basta prosperar, contar vantagem é fundamental.
Quando o cantor começou a dedilhar a Balada do Louco, eis que surgiu uma daquelas figuras que dançam ante o palco. Cabelos até o ombro, ensebados, cheiro azedo e carregando um saco. Sacudia-se sozinho, sentia-se o rei do pedaço e apenas uma coisa o atormentava: a garrafinha esvaziara.
Seu João de meia até a canela e camisa bacana foi alvo fácil do dançarino.
_ Só um real, doutor!
_ Não sustento vício de cachaceiro.
_ O senhor tá me negando é porque não quer me dar. Beber o doutor também bebe.
_ Vai procurar serviço, infeliz! Num tá vendo que tô ocupado?
_ Eu também tô, doutor. Tô em momento de trabalho, disse o maltrapilho sorrindo.
_ Tá pedindo dinheiro porque é vagabundo. Saí do nada e hoje sou dono disso aqui tudo. Fica atordoando os outros e num dá sossego nem pra distrair, disparou Seu João.
_ O doutor tá com algum problema? Muito nervoso. Até a Dona tá rindo do senhor.
_ Olha aqui, seu delinqüente; não se deve perder tempo com um homem que não tem nem o que se vestir. Olhe pros seus trapos. Ponha-se pra fora, já!
_ O melhor da vida se faz é pelado, Doutor. Aliás, o senhor tá precisando de namorar, hein?
Então, Dona Maria ergueu uma nota de dez pro vagabundo que voltou dançante e sorridente pra frente do palco. Seu João pegou na mão da mulher e saiu cuspindo vespas em direção ao carro.