PARA UMA IRMÃ
“Ai, quantas lágrimas eu tenho derramado
Só em saber que não posso mais
Reviver o meu passado
Eu vivia cheio de esperança
E de alegria, eu cantava, eu sorria
Mas hoje em dia eu não tenho mais
A alegria dos tempos atrás.”
(Quantas Lágrimas – Manacéia)
Aos quinze anos acabou-se a minha adolescência. A circunstância abreviou a sua precocidade. Foi na minha festa de despedida preparada de surpresa pela minha irmã Néa e pelos colegas de turma do bairro, na casa da Tânia. No dia seguinte eu iria enfrentar a sina encomendada pela minha mãe de sair para a capital estudar, trabalhar e vencer na vida. Não sonhava muito diferente da maioria das famílias para os seus filhos: um bom futuro poderia estar me esperando e eu é que não podia ficar parado. Não me queixo, portanto, que fique esclarecido. Eu quero é lembrar desse período de breve duração, mas com marcas tais que daria poucas páginas e muitas aventuras. E ao mesmo tempo homenagear a minha irmã que foi minha companheira de tão rápida passagem, mas não pouco significativa por causa de tanta intensidade e afeto.
Dos doze aos quinze foi o quanto durou. Teve uma mudança de bairro dentro desse intervalo. O local onde havíamos passado a infância ficara para trás junto com muitas histórias. Para crianças, difícil não haver alegrias por motivação própria. Tristezas, se há, são vindas de problemas que os adultos transferem impunemente para elas.
Da grande família já havia agora um espaçamento que as idades e as responsabilidades vão colocando no caminho. As irmãs mais velhas, já se casando ou entabuladas para outras paragens. Os irmãos partiram para arriscar o sonho primeiro e ficamos os três mais novos. Eu e a Néa com diferença de apenas um ano, começamos a coincidir as manifestações hormonais e visões de mundo. Assim, ficamos mais próximos e amigos inseparáveis, cúmplices até nos dribles e bravatas típicos da adolescência.
Os discos de Maria Bethânia, Beatles, Gal Costa e Gilberto Gil, Rita Lee e Cartola. Abba e Peter Frampton marcavam ora nossas baladas, ora embalavam nossas confidências no porão da casa nova, numa vitrolinha de LP’s parecida com uma valise. Entre conversas de namoros e um cigarrinho escondido (apenas eu), cantávamos de cor e salteado o repertório de “Drama, Luz do Terceiro Ato”, LP que Maria Bethânia gravara ao vivo em 73. Néa devotava uma paixão pelas músicas, um envolvimento tão profundo, um encantamento tão honesto que não havia como não contagiar-me e nós cantarolarmos juntos repetidas vezes sem nos cansar.
Os namoros às escondidas faziam-nos dupla imbatível no engambelamento materno. Saímos às noites com a recomendação da nossa mãe de que eu tomasse conta dela e contasse tudo que visse de “diferente” na volta. Combinávamos horário e local para nos encontrar antes de voltar para casa e cada um seguia seu rumo nas penumbras do bairro iluminado pelos postes de lâmpadas ainda incandescentes e muitas árvores de frondosas sombras da cumplicidade com mãos dadas e beijos tímidos. Nessa fase, a vida meio adulta só era assumida à noite ou após o banho. De dia as brincadeiras ainda misturavam a infância mal terminada com um desejo intruso de ser gente grande. Quanta saudade!