Grupo de Risco

Temo a justiça, ou melhor, morro de medo dela. Não porque eu deva, Deus me livre, mas amanhã ou depois posso ser presa por ter falado o que não devia, ou de repente estar no lugar errado na hora errada...nunca se sabe...

Eu fico apavorada em pensar que possa fazer alguma coisa errada, eu me cerco de cuidados afinal estou num grupo de risco; não sou nenhuma personalidade, nem sou política, sou pobre e não tenho padrinhos, brrr.

Lembram-se daquela moça que foi flagrada roubando chupetas para o seu neném? Foi presa, sim senhor e sem dó, é do meu grupo...e aquela infeliz que roubou um shampoo? A justiça não quis saber, enjaulou a moça por 19 meses, sem perdão, essa também é do meu grupo...

Se eu tivesse dinheiro como a Suzane Richthofen, mil flashs estariam sobre mim, teria direito a dar entrevista no Fantástico, e mesmo que chorasse de mentirinha iria ter um bando de advogados se estapeando para me defender.

Seria como a menina monstro, que virou celebridade e não vai ficar na cadeia. É, o crime compensa nessa "terra brasilis", daqui a pouco ela sai da cadeia e um bando de paparazzos vão querer fotografá-la nua, e em cada canal de entrevista que você sintonizar vai vê-la com aquele olharzinho de falso abandono (ai meu Deus), dando a sua versão dos fatos. Depois a mídia que não é boba vai sugá-la até o bagaço e vão premiá-la com um programa em horário nobre, afinal ela já virou pop star. E quando o livro da vida dela chegar às livrarias vai virar bestseller, não duvide, vai ter gente disputando como o Harry Potter.

Eu heim? Eu fico quieta em casa trabalhando, levando minha vidinha miserável, vai saber se estou sendo filmada para ser flagrada em alguma irregularidade? Se eu fosse menor iria para a FEBEM, lá aprenderia a me defender e ficar expert em maldade, em tortura. Iria me tornar uma cátedra em roubo a mão armada, saberia certamente onde encontrar armas de última geração que nem um policial se atreveria me encarar. Perderia lá, de vez, todo e qualquer pudor ou respeito que ainda restasse em mim.

Tenho mais é que construir grades que me separem das pessoas, muros altos que impeçam que olhem pra dentro da minha casa, não tenho porte armas e nem posso ter uma coisa dessas dentro da minha casa, se souberem que eu tenho; me prendem, não pertenço a nenhuma quadrilha para ter esse direito.

Se fosse de alguma guerrilha urbana, ou se fosse narcotraficante aí sim poderia ter as mais poderosas armas, seria então temida, mesmo atrás das grades. Mas sou só uma cidadã trabalhadora e calhou de eu ser honesta, aí, eu é que me cuide porque senão sou engolida pelas gangues.

Melhor não contar a ninguém que tenho caráter, posso ser perseguida por não me encaixar no sistema, já basta eu ser pobre, de boca aberta então; sou um perigo!

Claro que não sou minoria, somos o maior grupo esparramado por essa "terra brasilis", mas a nossa voz anda abafada, caidaça... alguns de nós se acomodaram, outros estão brigando pra provar que ser honesto não é defeito, entretanto os que cuidam dessa terra não pensam assim, e nos olham como se fôssemos um bando de silvícolas; inocentes úteis para garantir sua temporada de poder e mordomias.

Cercada pelo medo e acuada pela falta de opção solto meus olhos por essa telinha. Aqui encontro a minha turma, os que como eu sonham mudar o mundo para um mundo melhor, uma revolução sem mortos e sem feridos, apenas com justiça, a mesma que a gente não vê no mundo aí fora.

E quanto mais reprimida pelo medo e pela angústia de não ter voz, mais os dedos trabalham buscando parcerias que sonhem o mesmo sonho que eu.

Eu sei que esse medo vai acabar...

Angélica Teresa Faiz Almstadter
Enviado por Angélica Teresa Faiz Almstadter em 03/08/2006
Código do texto: T208401
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