SALA DE ESPERA (DELEGACIA DA MULHER)

Não foi sem constrangimento que entramos no prédio da Delegacia da Mulher. Acho que o passo foi mais coator do que as ameaças. As cadeiras na sala de espera estavam dispostas como numa sala de aula e, após pegarmos a senha, ficamos aguardando sentadas junto às demais.

Logo na primeira fila estava uma mulher toda machucada. Havia sido espancada pelo companheiro e não era a primeira vez. Já passara outras vezes pela delegacia, muitas ocorrências, mas nenhuma representação. Não consegui definir sua idade ou ter uma impressão precisa sobre o seu aspecto. Sua face estava inchada e com marcas de sangue coagulado. Um olho não abria. Ela chorava alto, falava alguns palavrões e depois mergulhava num silêncio profundo. Acho que, por mais absurdo que possa parecer, encontrava alguma culpa. Depois de algumas formalidades, ela foi encaminhada a um abrigo.

Naquele momento compreendi que culpa é substantivo feminino.

Não demorou e a sala estava repleta de mulheres dos mais diversos perfis. Na maioria dos casos era difícil reconhecer vítimas e acompanhantes. A violência muitas vezes não é tão aparente e pode estar entranhada em palavras, silêncios e gestos. Aliás, violência também é substantivo feminino.

Em pouco tempo, todas éramos solidárias e partilhávamos os estilhaços de alma. Ameaça, maus-tratos, agressão, constrangimento ilegal, difamação... Desfechos de enredos pontuados por sinais amarelos. Desatenções e justificações ao perigo. Um mosaico de tipificações e a representação da paixão de cada uma das mulheres, mas não necessariamente vítimas. Apesar de vítima também ser substantivo feminino.

A primeira impressão da mulher espancada foi dissolvida num ir-e-vir de mulheres comuns e abatidas. Muitas ainda calçavam sapatos altos reluzentes. Existem momentos em que é preciso descer dos saltos (no sentido figurado) e denunciar sem deixar de perder a identidade feminina. Algumas mulheres viam aquele momento como um grito, um divisor de águas, outras, infelizmente, como a real impossibilidade de viver.

Acho que o caso mais triste era o de uma senhora octogenária que, depois de cinqüenta e seis anos de casada, estava suportando os maus-tratos do marido e de sua jovem amante instalados em sua casa. Ela não conseguia suportar a idéia de separação, mas não podia continuar sujeita às ameaças e aos constrangimentos. Os filhos dela tinham vidas próprias - não sabiam ou fingiam não saber.

A troca de vivências quebrou os vestígios de vergonha e alertou para alguns sintomas aos quais devemos estar atentas. Quando saímos, denunciante e testemunha, percebemos como a violência é uma presença silenciosa e já não conseguíamos identificar quem havia feito a ocorrência.