OS SAPATOS DE JUSUF

Para mim o prazo de vida útil e até inútil de um par de calçados não excede os 2 anos. Dependendo do material e do valor sentimental, tomem-se três anos e nem um segundo a mais. Nem que para isso seja preciso incendiá-los ou convocar o exército nacional. Passado mais tempo que isso, cria-se uma intimidade. E intimidade entre homens e sapatos é sempre perigosa.

Mas o mundo ainda possui os seus heróis. Jusuf Sijaric é um sérvio de 81 anos e que merece a minha eterna admiração. O homem garante que usa os mesmos sapatos há 60 anos. Em outras palavras, a última vez que Jusuf entrou numa sapataria foi no ano de 1943. Nessa época, o mundo vivia os horrores da 2ª Guerra Mundial. Suponho que a loja em que ele adquiriu a sua preciosidade já não mais existe.

Quantos amores Jusuf já não viveu e teve sempre por testemunhas os incansáveis sapatos! Jusuf deve ter chorado pelo amor de uma donzela que ele conheceu num baile, em 1944. Suponha-se que em 1956, Jusuf tenha feito uma viagem longa. Em 1967, é possível, que Jusuf tenha sido internado. Na década de 70, fez alguma coisa grandiosa. O comum em tudo isso é que Jusuf usou sempre os mesmos sapatos. Jusuf para mim, merece ganhar um Nobel da fidelidade sapatária. Se isso acontecesse, não me admira se ele aparecesse na cerimônia, calçando os tais sapatos. Nunca houve na história da humanidade pés tão fiéis.

Fico aqui pensando o que se passa pela cabeça de um homem que usa os mesmos sapatos por mais de meio século. Será que os sapatos de Jusuf são detentores de poderes mágicos? Residirá ali algum segredo da humanidade? O tal couro dos sapatos, teria alguma substância encantada e eterna? É puro palpite, mas começo a desconfiar de Jusuf. Acredito que ele é um ser eterno, e que para não se chatear muito troca seus sapatos apenas de século em século. Ou senão é um velhinho descuidado, que nem se deu conta que seus sapatos já estavam um pouco envelhecidos. Não cogitei ainda a hipótese de Jusuf ser um cego solitário e miserável, daí seria quase justificável. Poderia ele ter feito também isso de propósito, apenas para ficar famoso, entrar para a história.

O que me intriga é que se Jusuf tem hoje 81 anos e usa os mesmos sapatos há 60 anos, então os comprou com 21 anos. A pergunta é: até essa idade, que sapatos, ele usou? Certamente, deve ter tido alguma desilusão com os outros e achou nesse par o companheiro para a vida toda. Outro palpite seria que o tal calçado foi um presente de alguém muito especial,que veio a falecer pouco tempo depois. Jusuf, imagino eu, fez uma promessa de sempre usa-lo, na alegria e na doença, em festas e em velórios. Jusuf nada mais é então do que um pagador de promessas.

De qualquer maneira, agradeço ao senhor Jusuf Sijaric por ser um mártir do não-consumismo e por me fornecer assunto para uma crônica num dia em que eu não uso sapatos.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 12/02/2010
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