Óculos de Drummond

(a ser publicado no blog www.kuriate.com)

Um bom rapaz pensando na vida após a morte:

-Seria muito sem graça se fosse só isso aqui!

Um demônio de passagem sussurra em seu ouvido:

-É assim?! Ah, você vai ter que encontrar graça na desgraça, meu caro!

Na praia de Copacabana há uma estátua de bronze do poeta Carlos Drummond de Andrade. Sentado num banco no calçadão da avenida Atlântica, com expressão resoluta e compenetrada. Falando nisso, os óculos da estátua já foram roubados oito vezes. Mesmo se fosse o próprio poeta em carne e osso não faria diferença nenhuma.

Até Platão fala que a poesia é ruim pois apenas se apresenta como simulacro da realidade - cópia da cópia. Os artistas com sua criatividade corrompem a verdade. Não nego, mas discordo. A lógica é minha, se não entender a culpa é toda minha também.

O poeta se afasta da verdade de propósito, inventa mitos na tentativa de enganar a si mesmo e aos outros. Tudo de caso pensado. Ele tem um presentimento de que a verdade não é nada agradável, como se tivesse um "sentido poético". Óculos que deixam a visão mais nítida e perfeita? O artista prefere distorção.

Estou falando aqui na criatividade para suportar a vida. Diferente da criatividade para ganhar dinheiro, levar vantagem, ser mais competitivo, criar uma religião, conquistar mais parceiros ou edificar arranha-céus. Bom, pode ser vantagem sim, engano meu. Uma vantagem evolutiva em achar graça na desgraça. Se eu vou cair no abismo, vou dançando.

Acontece que aqueles dotados de "sentido científico", veem a poesia como tentativa de se chegar à verdade. Inescapavelmente, concluem que ela não passa de um monte de besteira. Claro que sim, não nego. No entanto, mentir faz bem e, em alguns casos, é necessário para a própria existência.