Há algum tempo tive a oportunidade de conversar com um senhor de quase oitenta anos. Estávamos no aeroporto de Curitiba aguardando a chamada para embarque. Confesso que estava tão cansada e ansiosa para voltar para casa, que só notei sua presença quando falou:

- Impressionante a capacidade que o ser humano tem de inverter tudo – Como que em resposta ao meu olhar um tanto surpreso, continuou:

- Usa e trata como descartável o que é para ser amado e cuidado e valoriza e se apega ao que foi feito para ser simplesmente usado e pode ser trocado. - Ainda tomada pela surpresa, sorri para ele sem nada falar. Acredito que animado pelo meu sorriso, o simpático senhor, ajeitando-se na poltrona, continuou:

- Você pode usar um carro até que ele fique velho ou, se tiver sorte e puder, até que apareça um modelo mais novo.

- Você pode usar um computador até que outro com mais recursos apareça no mercado e esteja dentro de suas possibilidades - esse é trocado com uma rapidez assustadora!

- Você pode usar um batom que deixe-a especialmente mais bela, até conseguir tirar um último resquício de cor e, então, joga fora.

- Você pode usar aquele creme caríssimo que promete milagres até não conseguir mais tirar nem um mínimo sinal de dentro do frasco e, então, você joga fora.

- Tem até algumas coisas que você resiste em jogar fora: aquela camisola ou camiseta que de tão usada é uma delícia para dormir; sozinha, por favor! – Nesse ponto não consegui disfarçar minha surpresa e menos ainda meu sorriso mais amplo enquanto analisava o falante e singular senhor vestido com um terno, colete, gravata e tinha nas mãos uma bengala.

- Aquela cueca, que, de tão velha já está meio transparente, mas tão confortável pode ser usada sempre que ele não estiver com “ela”, é claro! – A cada palavra daquele senhor minha surpresa aumentava.

- Pensando bem ela pode até ficar sexy naquela camisola ou camiseta já velhinha e ele naquela cueca que, afinal, por estar tão gasta, mostra mais seu corpo.

Nesse ponto ele olhou-me atentamente e disse:

- Ora, não me olhe com essa cara de assustada. Eu não nasci com oitenta anos, mocinha! – falou com um enorme sorriso. Sorri de volta para ele e antes que começasse a tentar justificar meu espanto ele continuou:

- Mas, há coisas que não ficam obsoletas e que não podem ser simplesmente trocadas;

- Um amor verdadeiro; a relação pode acabar, mas o amor estará sempre lá, naquele momento em que alguém amou e igual a ele não haverá outro.

- Uma amizade; você pode ter várias, mas uma jamais será igual à outra e nem todas serão verdadeiras.

- Respeito; você vai sentir falta se não demonstrarem por você.

- Carregue sempre isso com você, pois tudo mais passa. O que não vai passar é a falta que você vai sentir dessas três coisas se não existirem em sua vida.

Falando isso levantou-se e segurando minhas mãos desejou:

- Que a sua viagem seja tranqüila agora e repleta de Amores a sua jornada de vida.

Até hoje me pergunto se aquele senhor tão especial existiu ou se é parte de um sonho num cochilo descuidado. Mas, nunca esqueci seus conselhos.