Doce Ilusão
Onde mora a felicidade?
A pergunta pode parecer piegas, clichê, mas ninguém dispensaria a resposta. Não creio que a felicidade esteja ao alcance das mãos, mas talvez da mente, pois se a felicidade nada mais é que um estado de pensamento, só não é feliz quem não quer — basta sonhar, vislumbrar as peças necessárias e, pronto: o quebra-cabeça da felicidade está completo! Ser feliz parece tão simples... Algo muito mais fácil do que se supõe.
Ah, doce ilusão...
Muitas vezes, o simples planejar já é o bastante, noutras, basta! A sensação onírica que se tem ao imaginar uma conquista, ao adiantar um momento futuro, é muitas vezes mais satisfatória que o momento em si. Quando o querer se transforma em presente, raramente o faz nas mesmas cores que pinta o nosso sonhar. Talvez seja isso o que gere o efeito surpresa: a forma imprevisível como a vida acontece, muitas vezes queimando a etapa do planejar, sem nos dar sequer margens à decepção.
O argumento dos pessimistas diz que esperar o pior torna tudo melhor. Se por um lado a premissa parece coerente, por outro, não deixa espaço para o sonhar — o tão necessário sonhar. E o que seria do homem sem a ilusão? Um ser amargo, apático e sem forças para travar a batalha que possibilita a conquista, seja ela qual for.
Os excessivamente otimistas, encontram tanta satisfação no sonhar que não se deixam abalar por “detalhes” como a realidade — ignoram os fatos, as probabilidades, as críticas e até mesmo o chão sob os seus pés. É preciso convir que há uma diferença, nada sutil, entre pensamento positivo e cabeça oca, aquela que é preenchida por um pensar inconsistente.
Não que o pensar seja algo concreto, palpável, mas pode — e deve, para todos os efeitos — ser no mínimo substancial, caso contrário, torna-se tão etéreo que não se faz notar, não pesa, não tangencia o chamado “mundo real”.
O mundo das ideias é onde tudo nasce e onde tudo significa, mas este tudo só se torna algo ao extravasar, alcançando o lado de fora e, consequentemente, atingindo o pensar alheio. Se não houvesse tal necessidade, poderíamos viver em cápsulas do pensar, feito personagens de ficção científica. E o corpo, em suspensão, se tornaria um acessório obsoleto, cuja única função seria manter viva a máquina do pensar — e cá pra nós, que sabemos tudo o que o corpo pode nos proporcionar, quanto desperdício!
Quando a felicidade está trancada no compartimento secreto do imaginar, é sinal de que algo não está funcionando bem, que falta alguma peça, seja do lado de dentro ou do lado de fora, pois quando real, a felicidade transita e unifica esses mundos, dando volume aos planos e fazendo de nós seres plenos, satisfeitos e prontos para almejar algo distante e começar tudo de novo.
*Publicada no caderno Mulher Interativa do Jornal Agora em Fev/2010.