Condições de vida
CONDIÇÕES DE VIDA
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 10.02.2010)
Um dos grandes mitos incentivadores do passado, e marca característica do século 20, a busca por boas condições de vida ainda hoje influencia o comportamento, as decisões e o planejamento das pessoas, especialmente depois que, mais recentemente, seus termos foram redefinidos com a expressão “qualidade de vida”. Qualidade de vida virou chavão publicitário para tudo, de apartamento à beira-mar e camionete cabine dupla com tração 4 x 4 a plano de seguro médico que te promete tudo e aos poucos te vai apresentando restrições de cobertura (quando não são os próprios médicos conveniados que decidem não mais atender aos mensalistas do teu convênio) e assinaturas extraordinárias conjugando, "all-in-one", televisão a cabo, banda larga e telefone fixo à prova de grampos legais ou ilegais.
Asseguradas as mínimas condições de vida para o indivíduo, a família ou a comunidade, tudo passa a ter por objetivo e parâmetro atingir a inalcançável qualidade de vida. Inalcançável porque sempre haverá alguém bolando meios de, vendendo-te algo, proporcionar-te um novo patamar, inigualável e insuspeitado, de qualidade de vida.
O século 21, no entanto, não vive mais desses saudosismos. As coisas todas se encaminham para deixar cada vez mais claro que a humanidade cruzou a linha, atravessou a porta, violou a fronteira. E agora parte, desesperada, em busca alucinada por condições de sobrevivência, isto sim. Mais tarde, é inevitável, as empresas partirão para vender aos sobreviventes o redundante “plus a mais” traduzido nas palavrinhas mágicas “qualidade de sobrevivência”. Quem sobreviver verá.
A semana passada, com temperatura de 42,8°C em Criciúma, bateu um recorde de 1949 em Santa Catarina. Pior que essa marca é a sensação térmica de 55°C, inclusive na Capital do Estado, que é a temperatura que o organismo efetivamente sofre. Assim em São Paulo, que por menos de um milímetro não bateu a marca histórica de precipitação pluviométrica em meses de janeiro, registrada em 1947.
A diferença nesses 60 anos, num caso como no outro, é que agora temos muito mais gente no planeta, muito mais geração de calor pela atividade humana e um brutal derretimento de geleiras e polos.
Parece óbvio que em mais 40 anos as pessoas vão recordar este verão como um dos mais amenos do século, e dos mais secos, também, em São Paulo.
As pessoas que sobreviverem, bem entendido.
(Fora do ar desde 00h30 de quarta-feira, 03.02, até 14h30 de segunda, 08.02.10, sem acessar Internet nem ligar sequer o computador, nesse período de 5 dias e meio o escritor produziu 34 textos literários autônomos curtos e uma crônica para jornal - esta, precisamente.)