Ascensão e queda de um latifúndio virtual - ou, minha vida em Farmville

Tudo começou com um patinho feio. Confesso que, num primeiro instante, não dei lá muita bola para ele: estava entretido com outras coisas, mandando currículos por e-mail, conversando com amigos distantes pelo MSN, talvez ouvindo algum jogo do Grêmio pela Gaúcha Online, agora não lembro mais. Mas ele ficou ali, parado no meio do meu Facebook, olhando para mim com aquela expressão triste dos desgraçados, aquele ar de trágica solidão comum a todos os animais de mentirinha do mundo virtual. Abaixo dele, uma breve legenda explicava que se tratava de um pobre patinho, que havia sido expulso de sua antiga fazenda e que agora esperava que eu, pobre criança de apartamento vitimada pela vida da metrópole, pudesse oferecer um lugarzinho onde ele pudesse viver e ser feliz.

Cedi, admito. Deixei-me levar pela cara de coitado do bichinho, pela tocante frase implorando por afeto e, especialmente, pela curiosidade em saber o que diabos era, no fim das contas, aquele maldito Farmville que não parava de aparecer nos avisos do meu Facebook. Somando essa série de sentimentos, cliquei no link que dizia "adote o patinho", e eis que me vi jogado sem aviso no estranho mundo do Farmville, o mundo mágico onde, imaginava eu, o coitado do pato poderia achar um lago calmo no qual se transformaria num lindo cisne e por aí vai.

Ao invés disso, me vi lançado num terreno minúsculo, com algumas sementes de beterraba e couve-flor esperando para serem plantadas. Uma música muito chata tocava sem parar nos meus ouvidos, de modo que antes de me preocupar com sementes e arados eu preferi encontrar o botão que desabilitava aquela estridente e desagradável sinfonia pseudo-caipira. Uma vez interrompido o martírio, concentrei meus esforços em tentar entender os mecanismos básicos daquela lavoura virtual. Aparentemente, era necessário que eu plantasse as sementes, cultivando-as com cuidado para que elas crescessem e virassem um bonito pomar ou plantação. Feito isso, eu deveria colher os frutos de meu esforço, vender a colheita em algo que me parecia uma mercearia internética e, com os lucros de minha honesta labuta, ampliar minhas instalações naquela fazenda - ou, caso preferisse o caminho do capitalismo mais selvagem, comprar equipamentos para plantar mais hortifrutigranjeiros, ter ainda mais lucros e logo ficar rico, muito rico.

Plantei, se bem me lembro, algumas beterrabas num pedaço do terreno - mas, quando o jogo me avisou que eu deveria esperar alguns dias para ver o que ia surgir dali, acho que comecei a desanimar. Não adianta, sou um filho do concreto e da poluição, não tenho a vivência e a paciência necessárias para a agroindústria, ainda que virtual. Em menos de cinco minutos, entediei-me imensamente com aquela fazendinha sem sal. Meu cérebro, sempre disposto ao cinismo e à auto-ironia, começou a listar uma série infindável de coisas mais úteis e menos absurdas do que passar o tempo plantando sementes que não existem para colher frutos que ninguém pode comer, de modo que rapidamente capitulei e desisti daquela coisa toda. Não que eu tenha feito qualquer uma das coisas mais úteis e menos absurdas que me vieram à mente naquele momento, mas enfim. Fechei o aplicativo, saí do Facebook e imediatamente dei por encerrada minha vida de fazendeiro de site de relacionamento.

Meio cedo demais, admito. Pois, para meu horror, o Facebook se recusou a me deixar desistir tão rápido daquela agricultura de subsistência digital. Durante dias, recebi avisos em minhas atualizações - quase sempre amistosos, lembrando que eu devia irrigar minha lavoura e que eu poderia usar meu dinheiro para comprar madeira, fazer um silo ou uma baia, essas coisas. Isso sem contar a quantidade imensa de pessoas que, avisadas sei lá eu como de que Igor Natusch tinha virado um fazendeiro virtual, vinham me oferecer todo o tipo de presente - desde sementes até fertilizantes, passando por animais de fazenda, madeira para construção e até propostas para ser meu vizinho, o que encarei como um prova de consideração e muito me honrou. O problema é que, a essa altura, eu não queria mais saber de Farmville nenhuma - e não conseguia descobrir um jeito de me livrar dela, o que convenhamos que é bem angustiante. Depois de muito procurar, achei um meio de ocultar indefinidamente as atualizações relativas à minha fazenda - o que, admito eu, é uma solução meio covarde, já que não só abandonei o navio como deixei os ratos tomarem conta de tudo sem olhar para trás. Mas enfim, o que me restava fazer, nesse caso?

Hoje em dia, nem quero pensar na situação calamitosa que deve ter tomado conta de minha humilde fazendinha. As beterrabas devem ter apodrecido no pé, o arado enferrujou, a terra cultivável deve estar tomada de ervas daninhas. O pobre patinho feio, coitado, deve estar escondido no meio das touceiras, sonhando com um lago de águas límpidas e com o dia em que poderá virar um cisne altivo e feliz. Os candidatos a vizinho ainda insistem, com a persistência dos amigos mais valorosos - mas, devo dizer, é um esforço em vão. Minha terra inculta não presta para nada, nela não está plantado nem um pé de alface, mas mantenho a posse compulsória do terreno e dele não consigo me livrar. Acabei virando, Deus me perdoe, um latifundiário. Resta-me aguardar a evolução do jogo, e torcer para que um dia agricultores mais dedicados e interessados surjam para tomar a terra de mim e fazerem algo mais produtivo da minha lastimável lavoura abandonada.