SANGUE EM CANAÃ. VERMELHO COMO VINHO.
Tem gente que consegue separar o que é pessoal, particular, do que é de sua profissão ou atividade. Não sei bem como isso funciona, se é que funciona. Um assassino poderá dizer que vai me matar; porém nada pessoal. Um chefe qualquer demite um funcionário sem que essa atitude seja pessoal. Já vi muita gente ferir e machucar sem que fosse nada pessoal. Há quem consiga separar, não misturar e não ter dúvidas. Exceção talvez seja o Presidente dessa Grande Nação Pindoba que, confuso, diz que não sabe quando é candidato à reeleição e quando é de fato o Presidente; quando deve fazer mais pelo país e “menas” campanha eleitoral.
O que penso e professo é meu credo. Às vezes é difícil, mas já foi pior. Manter-se equilibrado e insuspeito nem sempre é coisa fácil. Porém, mais difícil é ser acreditado. Ser equilibrado, insuspeito e ainda ter crédito é artigo em falta e falta gente assim. Mas se os jacobeus existem também há - ou somente por isso - existem os que têm fé cega em quem não é sequer digno de fé. Esses, não são terrenos jacobina. São férteis e neles o que plantam, pega.
Quem acredita nos motivos que levam países a invadir países? Destruí-los. Soldados armados e treinados, como convém, dizimando, vilarejos, cidades. Matando civis indefesos, desarmados; atordoados, sem entender porque estão sendo vitimados.
A história não serve de exemplo, nem dela tiram lições. Matamo-nos uns aos outros com a mesma perversidade de sempre; trocamos as armas, apenas.
Qana, esse vilarejo do Líbano varrido do mapa pelo exército de Israel, com seus habitantes mortos, entre eles 37 crianças, é o mesmo onde se deu as Bodas de Canaã. Onde Jesus fez seu primeiro milagre a pedido de sua mãe, transformando a água em vinho. É um local reverenciado por cristão e por muçulmanos pois Jesus é figura primordial às duas religiões. Canaã também é toda a região do fértil vale do Bekah, que se estende pelo centro do Líbano de sul a norte, a Terra Prometida; portanto, solo sagrado também para os Judeus.
E lá está o exército de Israel destruindo a terra e matando quem nela habita; A terra para onde foi Abraão, por ordem de Yahvé, deixando pra sempre Ur, onde nasceu, para fazer uma “grande nação e em ti serão benditas todas as famílias da terra”.
Desde aquela remota época até hoje a destruição não para. Qana não foi destruída essa semana pela primeira vez. Em 1996 o exército de Israel bombardeou o sul do Líbano na operação Vinhas da Ira, sob o comando de Shimon Peres, então seu Presidente e Prêmio Nobel da Paz. Acredite! No dia 18 de abril daquele ano fugindo das bombas do exército de Israel, centenas de libaneses correram para um abrigo da ONU em busca de proteção. Naquele abrigo de paredes brancas e as enormes letras UN, da sigla em inglês, em azul, e a bandeira da paz tremulando, mais de cem velhos,mulheres e crianças pensavam estar seguros da estúpida agressão. Foram todos mortos. O abrigo da ONU, um posto de observação, por isso bem no alto e bem visível, não era um objetivo militar nem nele havia soldados, armas, canhões, ameaça, enfim. Foi um massacre, como o foi o desse domingo,27 de julho de 2006.
Não me interessam as razões do Governo de Israel para perpetrar esses brutais ataques; nem as do Governo Americano contra o Afeganistão e o Iraque. Os dois mais poderosos exércitos do mundo estão destruindo países desarmados, povos miseráveis a pretexto de caçar terroristas, que parecem invisíveis, intocáveis, inatingíveis. Afirmam que o Hezbollah é um grupo terrorista e invadem o país a pretexto de destruí-los pois representam uma ameaça. Em 1982, quando o sul do Líbano foi invadido pelo exército de Israel, sob o comando de Ariel Sharom, hoje em coma e abeira da morte num hospital, o Hezbollah sequer existia. E foi formado justamente depois desse ataque para se defender. Não posso aceitar, simplesmente. Não há motivos que possam me convencer. Sou ingênuo, utópico e, certamente, um cabeça-dura. Porém, eu sei, a humanidade é assim; matadora. Voar é com os pássaros. Matar é com os homens. E eu, que não sou anjo nem pássaro, que não matei ninguém, sou apenas mais uma vítima, como muitas outras pessoas. Vítimas indiretas.