Elogio aos sete pecados capitais: a luxúria
Embora a noção de os sete pecados capitais tenha sido introduzida no século 6º de nossa era, antes disso a humanidade já vivia, segundo os critérios cristãos, sob condenação de pecados.
Tudo começou com o pecado original, e como sempre temos que encontrar um culpado para as coisas, a Eva deve ser a responsável por tudo: pelo pecado original e também pelos capitais. Explicando: se a gulosa Eva não tivesse cobiçado a maçã, dando oportunidade ao diabo-serpente de fomentar-lhe o orgulho, ela não teria sucumbido, traindo Deus. Para piorar tudo, ela ainda insuflou o maria-vai-com-as-outras - que também atendia pelo nome de Adão -, que, dominado pela luxúria, morreu de inveja ao vê-la tão íntima de uma serpente. Com isso, os dois despertaram a ira divina e foram expulsos do paraíso, onde viviam na mais plena e desmedida preguiça.
Deixando a Eva de lado e passando diretamente ao pecado tema deste texto, é bom nos situarmos: já estamos no ano 2005! É totalmente anacrônica a idéia de sexo somente como meio de propagação da espécie. Não devemos nos esquecer que nascemos no meio de sistemas (político, religioso, artístico, social, filosófico...) já instalados e, como já dizia Ortega y Gasset, cada pessoa é fruto de sua época, desenvolvida por suas circunstâncias. Com isso, percebemos o descompasso com a realidade em que se encontram algumas crenças.
Nossa realidade é mais dinâmica e aclarada por várias descobertas científicas que desmitificaram muitas crenças vigentes no século 6º. Não faz sentido seguirmos regras que foram instauradas há 14 séculos, quando a realidade vigente nada tinha a ver com os valores atuais.
Se tivéssemos nascido no século 16, amaríamos como Romeu e Julieta; no século 19, como Werther, de Goethe; mas nascemos no século 20 e estamos vivendo no 21! Embora a superfluidade dos relacionamentos contemporâneos mereça reflexão, relacionamo-nos de acordo com os interesses e ritmo da época. Não dá para negar isso.
Sob outro aspecto, de todos os pecados capitais, certamente, a luxúria é o mais reprimido. Ao menos em ambiente coletivo. E, exatamente por esse motivo, é o pecado que menos deveria ser proibido. O raciocínio é simples: se a luxúria pareceu tão reprovável aos cristãos como sempre nos fizeram crer, eles não deviam tê-la repreendido porque quanto maior a repressão, maior o desejo. Sem intenção de “coisificar” pessoas ou descontextualizar emoções, quanto mais um objeto é desejado, mais perigoso se torna à sanidade do cobiçador. O conflito interno causado pelo desejo atordoa qualquer um, indiscriminadamente. É por essas e outras razões que há tanta gente mal-resolvida, sofrendo transtornos de comportamento.
Se o atordoado for pessoa religiosa, pior ainda, maior será seu sofrimento porque terá que sublimar seu instinto lascivo ou revertê-lo em fé. Nem vou entrar na esfera dos religiosamente ordenados porque daria conteúdo para outro texto. Mas uma coisa é impossível desconsiderar: não há corpo que agüente tanta autoflagelação por incontroláveis pensamentos pecaminosos.
É melhor esclarecer que esta não é uma apologia ao hedonismo; entretanto, se parece um tanto quanto superficial e irresponsável viver pelo prazer, também é igualmente razoável considerar que viver para sofrer não agrega mais profundidade e responsabilidade a ninguém.
Enfim, de que há muito sofrimento na existência humana ninguém duvida; então, por que não aceitar sem culpa que prazer, no sentido mais lato da palavra, também faz parte da condição humana? Por último, e mais importante, uma consideração que vale para todos os pecados, incondicionalmente: não podemos ser condenados ou culpados por sentir algo que não escolhemos.