ENTRE SAMBISTAS E PEREGRINOS

Damião Ramos Cavalcanti


          Os pés que sambam não são os mesmos que peregrinam. Os cansados das mesmas vestes se despem para se fantasiarem e descansarem da fatigável rotina. Fugindo do convencional, dão o grito de liberdade, chamando-o de grito de carnaval. Cobertos pelo anonimato, os homens vão às ruas à procura de novas emoções. Escondem-se por trás das máscaras, simulam outro sexo ou dissimulam sua identidade. As mulheres, ao contrário, ostentam o que têm de belo, identificam-se cobertas apenas de purpurina. Os tamborins vão esquentando; os corpos, balançando-se, em movimentos sensuais como se fosse um ritual sagrado. No fim, virão as cinzas, pandeiros e tamborins silenciados, as serpentinas desenroladas, as fantasias desgastadas, as garrafas vazias e as lamentações dos excessos. Manifestam-se arrependimentos, decepções ou satisfação de que tudo valeu a pena. Depois da “quarta-feira ingrata”, nascem novos amores ou morrem romances apenas iniciados.
          Os pés que peregrinam não são os mesmos que sambam. Fogem do barulho para lugares tranquilos, como Campina Grande, vista pelos carnavalescos como uma cidade vazia. Na estrada, como nos caminhos para Compostela, veem-se retirantes dos festejos momescos, portando turbante; outros, túnica branca; budistas, com vestimentas alaranjadas; alguns hippies fazendo contracultura, e os bíblicos, dos quais grande parte debulha as contas do rosário. Jovem que era andarilho, hoje é pregador. Outros, calmos, de olhar distante, misturam-se aos fanáticos de única certeza. Enfim, todos formam uma rica miscelânea, uma caravana com o mesmo objetivo: usufruir a ambiência da Nova Consciência.
          Depois dos debates e meditações, virão as cinzas; o silêncio do silêncio acompanhará esses meditativos, talvez imunes ao barulho, e suas condutas, ao frisson da sociedade. O carnaval, para eles, é um retiro para a tranquilidade, onde se busca a “consciência de si mesmo", não importando por qual via religiosa. Busca-se o que os filósofos gregos, epicuristas e estoicos afirmavam ser o único estado de felicidade e ápice da sabedoria: a ataraxia, estado de equilíbrio e moderação, na escolha dos prazeres naturais e artificiais, até se chegar ao ideal de felicidade - a imperturbabilidade. Que esses bons pensamentos transformem o mundo de ganâncias, de falta de limites, atemorizado pela violência, e que seus bons fluidos atinjam todos nós, os que sambam e os que peregrinam.