PAIXÃO POR CARNAVAL

PAIXÃO POR CARNAVAL

O rebuliço na casa era grande. A avó, dez dias depois da morte do marido, estava fantasiada de cigana e iria ao baile de carnaval do mais tradicional clube de Serviço da cidade.

Filhos, noras e netos não podiam entender aquela atitude. Finalmente, foram 43 anos vividos em perfeita harmonia. Por que tinha de ser agora? Está certo que a vida continua e isso podia se ver no ar sorridente e alegre de Tereza.

Quando aconteceu o desfecho, todos se reuniram prometendo que respeitariam os seus desejos. Sair do casarão, ir morar num flat com Bebel cria da casa, jovem e dedicada. Mas a idéia maluca de participar de um baile de Carnaval, essa não, era demais. – E os amigos do pai, os vizinhos, o que iriam pensar?

Paulo, o filho mais velho, disse: - Mamãe enlouqueceu – só assim se justifica brincar carnaval em tão pouco tempo. Renata, a filha mais nova, só fazia chorar. Netos e netas, jovens modernos e irreverentes, admiradores e apaixonados pela avó, deram toda força e foi uma delas que arrumou tudo às escondidas.

Tereza estava irredutível: Prometera a si mesmo há muitos anos que, se um dia ficasse viúva voltaria a brincar carnaval. Namorara e noivara num dia de carnaval e Paulo sempre fora um folião. Quando casou ele lhe impôs com autoridade: Carnaval agora só para mim que sou homem.

A princípio ela resistiu, mas a vida, os filhos e o desencanto fizeram com que aceitasse aquele estúpido castigo. Nesses 43 anos de vida em comum, muitos foram os sonhos anulados, mas o do carnaval permaneceu intacto no coração, corpo e pensamentos. Como explicar aos filhos que isso nada tinha a ver com o companheirismo e carinho que dedicara ao marido?

A vida para ela, como acontece com milhares de mulheres de outra geração, passou como um barco navegando em mar de calmaria. Era feliz, orgulhosa da família e nada lhe faltara. Porém, no seu interior, latente, forte arrebatadora, conservou para si a paixão do carnaval.

Quando em pleno mês de fevereiro ele partiu, a primeira coisa que lhe veio à mente foi à proximidade das festas de Momo. Dentro dela, algo arrebentou. Passado o primeiro impacto de perda, sentiu que a força da vida estava na alegria do carnaval. Ele iria entender, pois sempre lhe prometera isso.

Tereza nada fez escondido. Revirou seus guardados e encontrou a bela fantasia de cigana, a última que vestira antes do casamento. Como o tempo não foi dos mais ingratos, ela apenas precisou abrir as costuras e a roupa lhe coube perfeitamente.

Agora, ante o espelho, o que via era a jovem feliz, de pele macia, olhos brilhantes, rodopiando no salão nos braços de Paulo, recebendo o toque gelado do lança-perfume. O tempo de ontem se misturava ao de hoje.

- Batendo palmas, Marcela, a neta mais parecida com ela, dizia: Ótimo vovó! Você está linda, vai arrebentar no salão.

- Tereza sabia que ali estavam os destroços de uma juventude perdida no tempo. O rosto marcado pelas rugas e os lábios pintados de vermelho, mostravam as irregularidades das linhas deixadas pelo batom. Do baú, tirara colares, argolas, todos dourados. As antigas sandálias estavam perfeitas, era como se o ontem não tivesse durado mais de quatro décadas e fosse quase hoje. Dois dos seus netos iriam acompanhá-la ao baile. Os filhos tentaram mais não conseguiram demovê-la da idéia.

Hoje seria o grande dia. Tereza, além de bonita estava iluminada quando atravessou o salão e saiu rodopiando, cantando velhas marchinhas. Aqueles confetes e serpentinas, os rostos sorridentes, o som da orquestra, a levavam para um paraíso de paixões efêmeras e sonhos impossíveis, coisas que só a alegria do Carnaval pode realizar. Lá onde estivesse, provavelmente Paulo iria lhe perdoar.