Relaxa. Fica bem calmo. Não te vou massacrar com o suplício do meu passado. Apenas me verás sorrindo. Serenamente.
Vou poupar-te ao espectáculo decadente do meu desespero por ti. Quando me deixaste estupidamente por telefone. Por azar estava em casa de minha mãe. Descansa que não vais ouvir os meus gritos lancinantes incendiando a noite. Teve até de me dar dois bons tabefes para que recompusesse. Em vão. Como uma vaca a caminho do matadouro fiquei até de madrugada. Vendo o espanto e a pena estampada no seu rosto. Mas para ti serei apenas a sobrevivente digna e orgulhosa que se esqueceu dos nossos dias em motéis de quartos espelhados e camas redondas. Julguei-te um anjo e foste apenas um agiota do meu coração embriagado. Os juros foram tão altos que toda a inflação das crises mundiais murcharia se sonhasse o que paguei. Não saberás, sossega. Sou civilizada, vês? Tão composta e reabilitada. Muito longe daquele lixo que fui quando me largaste bruscamente no meio de uma conversa de telemóvel. Porque já não querias enganar a tua anoréctica namorada. Eu, um borboto de umas culotes, um penso higiénico esquecido num mictório, uma borbulha espremida numa virilha, uma piranha desdentada flutuando num ribeiro fedorento, uma crosta de pus no bico infectado de uma teta.
Uma senhora perante os teus olhos enquanto uma pergunta vai circulando nos cantos da minha boca querendo sair, querendo esconder-se, querendo fugir.
A minha mãe que nem sequer permitia que demonstrasse o meu afecto por ela suportou a visão da sua filha esvaindo-se em lama, em pântano, em vómito. Sim, vomitei por não suportar não voltar a ver-te. Verdes esses olhos que nunca esqueci. Estou bem, sim, feliz. Muito mais que óptima. E tu? Casaste com ela? Ah, apenas vivem juntos. Eu? Bem, muito bem, melhor que feliz, bestial. Apenas me incomoda esta dor na anca e como se não bastasse parece que me está nascendo um furúnculo no sovaco. Nada de especial.