UMA DAS MUITAS HISTÓRIAS DE VOVÔ

Vovô Antônio era um homem sério no dia-a-dia. O típico trabalhador honesto nos negócios, rígido e sincero até demais, analfabeto de pai e mãe, mas sabia fazer contas como ninguém e desenhar seu nome. Porém à noite ao pé do fogão a lenha sentava-se com a gente e ia prosear como dizia ele. As prosas se tornavam causos e os causos muita das vezes se referia a pessoa dele. Na opinião de muitos, principalmente de vovó, ele era um palhaço, para mim o maior contador de histórias. Ás vezes, penso que herdei um pouco dele. Ah, como sinto a falta dele, de ouvir suas histórias e rir em demasia. Ele morreu aos noventa e dois anos já vacilando das idéias, entretanto ainda teve de tempo de me contar a “história do dilúvio”. Essa eu não podia deixar de contar a vocês.

Segundo ele, Deus estava muito triste com o povo, que vivia a fazer arruaças. Deus então chamou Noé e teve um particular com ele. Falou de tudo e por fim pediu ao homem já velhinho que fizesse uma arca porque mandaria uma grande chuva para acabar com aquele povinho mal-criado e fazedor de bagunça. Noé ficou preocupado, mas não quis aborrecer a Deus. Uma das exigências era que se levasse um casal de cada bicho, para reconstruir tudo depois que passasse o temporal. Noé juntamente com sua família começou a construir a arca e o povo zombava dele. Quando a arca já construída Noé acatou a vontade de Deus e recolheu um casal de cada espécie de animais que viva na terra.

Até aqui, tudo bem, não fosse o que meu avô contou depois. Eu prestava muita atenção a tudo, pois admirava a criatividade dele. E esta como sempre não faltou.

Então segundo ele, começou a chover e a relampejar forte. Eles só escutavam o barulho e de repente a arca começou a se movimentar e durante dias e dias eles ai ficaram. Noé não atrevia nem olhar por um buraquinho sequer. Os dias se passaram, todos já estavam aflitos para sair... E o que Noé fez? Eu indaguei de vovô. Ele olhou nos meus olhos e falou assim. “Noé, fia, sortô um arubu.” Um urubu vovô, não foi uma pomba? Perguntei novamente. Ele me disse “Não, primero ele sortô um arubu, só que ele começó a comé carniça e não vortó mais. Passó arguns dias e só ai é que ele sortó a pombinha e ela vortó com um raminho no bico. Eu tava lá e vi tudo...”

Confesso que quase morri de rir, mas vovô fez aquela cara e me disse “É verdade, ocê tá achano que eu tó mintino?

Me calei na hora, rindo por dentro. O olhei com ternura e pensei comigo “Meu avô até mesmo nos seus lapsos de memória continua criando e imaginando coisas, onde já se viu soltar um urubu? Mas, não é que ele tem razão depois de tantos dias chovendo o que podia ter senão muita carniça para urubu comer? Talvez ele realmente estivesse presente no dia do grande dilúvio.”

Vovô, meu mestre inspirador eu sei que está no céu ao lado dos seus anjos de seis metros de altura, contado uma das suas, saiba que continuará vivo nas minhas lembranças e também nas minhas histórias.

Vania Morais
Enviado por Vania Morais em 07/02/2010
Reeditado em 12/06/2013
Código do texto: T2074718
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