LÍNGUAS, RELIGIÕES E RELIGIÃO




       Em 1968, trabalhava numa fábrica de tecidos, em Hüls bei Krefeld, na Alemanha, assegurando alguns trocados para gastos com spaghetti, filmes, pizzas, livros e outras diversões em Roma, onde, de 1966 a 1970, era estudante de Filosofia. A fábrica hospedava seus operários, e assim convivia com turcos, franceses, portugueses, espanhóis e italianos, especialmente provenientes da Reggio Calabria, da ponta da bota e das ilhas Sicília e Sardegna. Esses sicilianos e sardos sempre protestavam que suas remunerações estavam incompletas e faziam-me tradutor aos alemães dos seus protestos, vertendo-os para o tedesco. Italiano sabia, mas esforçava-me para compreender o dialeto desses irados emigrantes a cobrarem seu justo salário. Daí, veio-me a percepção de que quem fala o idioma entende o mais bronco dos seus derivados dialetos, mesmo quando eles são a origem do idioma daquela nação.
       Desde então conjecturei a ideia de que a existência de várias religiões se assemelha à Torre de Babel, como se fossem várias e diferentes línguas, tentando se comunicarem com Deus. E Ele, na sua infinita sabedoria, compreende, sem traduzi-las, essas mais diversas linguagens que Lhe são dirigidas. Reconheço que existem, aqui e acolá como um simples dialeto, as linguagens menos perfeitas, mas que são escutadas por Ele tanto quanto as mais perfeitas. Enfim, para se falar a Deus basta pensar, mesmo que até o pensar seja também consequente do conhecimento relativo, do relativismo cultural.
       Cogitei também que, um dia, “ad futurum”, as línguas se fundirão, como resultante da globalização da comunicação entre os homens. Haverá um só idioma para todos nós. Mesmo considerando a liberdade religiosa como porta aberta à criação de novas seitas, mas inspirado em Friedrich Schleiermacher, filósofo do sentimento religioso, idêntico fenômeno acontecerá com as religiões: haverá uma só religião para todos os homens se comunicarem, em uníssono, com o seu Criador.
       O ecumenismo, iniciado pelo Papa João XXIII e tão bem estudado pelo Cardeal Agostinho Bea, haverá de ser os primeiros passos a caminho dessa unificação das religiões que pregam o bem comum, o amor e a existência de um só Deus. Unidos, oraremos num só templo, porque uma só deve ser a casa do Pai. Tudo evoluirá, inclusive os modelos políticos e econômicos das nossas sociedades. Confio, sempre esperançoso, que o mundo marcha nesse bom sentido. Enfim, segundo Schleiermacher, “ a religião é a consciência da divindade tal como se encontra em nós mesmos e no mundo”.