Concurso de oratória
Silêncio no auditório. Suor na testa. Tosse de silêncio. Começa a oratória.
- Os depravados não existem, gozam na atualidade de certa liberdade por definição. Compreendemos melhor agora o ato erótico, a energia instintual, o teatro da carne e o papel da reprodução com seus simulacros. Faltava apenas rever o perdão histórico. Deixar de contar como verdade que a decadência da velha cidade romana se deveu ao resultado do amor livre. Amor livre?
Sentados na audiência estava o Meireles, que não gostava de ser chamado de “Mereiles”. Sujeito ativo produtor de ricota da sociedade ribeirinha. Havia a senhora da igreja, o aviador aposentado, com seu jornal O Times. Um apicultor entusiasmado com o talento do orador que também tocava cavaquinho nas sextas-feiras.
- Na devassidão a luta pelo sigilo e o direito de liberdade se mesclam...
O velho Juncáceo, vendedor de amendoim exclamou, audivelmente.
- Sexo “expiucito ou impiucito”.
Houve aparte do senhor Epitáfio Roleslau. Aparte confessional com interrupção demorada, dizendo se confessar feliz, alegrão por ter permanecido esses anos todos “polígamo só de imaginação”. A mulher alegre do lado, pai de três filhos.
O orador prosseguiu tendo a palavra encarrilhada na oração como engrenagem de relógio mastigando tempo. Talvez fosse melhor encaminhar o assunto para desvios reativos: amor livre com vadias... Mas estava quase explodindo de rir das expressões entretidas, pasmas, hipnóticas. Aquilo era uma passeata subjetiva da imoralidade, o niilismo da devassidão. Equivoco da liberdade, mas com a luxúria perdoada, os deportados perdoados, além dos corpos nas embalagens dos sabonetes. O auditório começou a ver caravelas.
- Mas esse rapaz é louco. Desenvolver um tema desses. Só então tratou de responder ao polígamo.
- O amor e a depravação formam casais imaginários, aventuras aéreas. Fez um gesto qualquer com as mãos. Ora, são desarrazoados de pobre solteiro, comentou a mulher da igreja. É o pior orador da turma, desabafou. Para finalizar o discurso gastou poucos minutos.
- Agora falando sério, quer a libertinagem sofrer tristes enganos, tirasse dela os piores e infectos lances, tudo o mais seria o gosto pelo encantamento. Só então uma voz de mulher embriagada gritou:
- Tarado!
No final foi muito aplaudido, estava só começando.
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