7 de Setembro para refletir
Toda nação tem seus mitos patrióticos. O maior mito patriótico do Brasil é o 7 de Setembro. Neste feriado desfilam em paradas militares desde políticos até criancinhas segurando os seus cartazes comemorativos que a professora mandou fazer na escola. Eu lembro que a ideia que normalmente se tem da Proclamação da Independência é de um país que era uma colônia revoltada que lutou para livrar-se de sua malvada metrópole. Mas quando eu penso na comemoração da independência, eu penso no seguinte:
1) Independência pra quem, cara pálida? Dos quase 5 milhões de habitantes no Brasil em 1822, boa parte eram de escravos. Para os escravos tanto fazia de quem era o país; a independência e a liberdade não era para as senzalas. É o que George Carlin já dizia do padrão duplo da independência da América: Éramos um punhado de donos-de-escravos que queriam ser livres! A abolição da escravidão só ocorreu mais de 60 anos depois. Precisava demorar esse tanto para dividir a independência com o resto do país? Além disso:
2) O Brasil já não era colônia de Portugal desde 1815, quando D. João VI promoveu o Brasil a Reino (Unido de Portugal e Algarve, lembram?). Na América, só a Guiana Francesa (e isso só em 1946) e o Brasil conseguiram deixar de ser colônia tornando-se automaticamente metrópole (Por que ninguém comemora o 16 de dezembro de 1815?). Como metrópole fomos uma nação independente sem declarar independência, e ainda dividíamos o império português e suas colônias. Aliás, o centro deste Reino Unido não era em Portugal mas era o Rio de Janeiro; com isso, o Brasil era: a) o único país americano a fazer parte da Europa, b) o único país da história a coroar um rei europeu fora da Europa, e c) o único país da história a ter a sede de um reino europeu fora da Europa. É isso mesmo, fizemos parte da Europa por cerca de dez anos (só em 1825 foi reconhecida internacionalmente a independência do Brasil), e isso acabou porque:
3) Os portugueses não gostaram dessa ideia de se unir ao Brasil, ainda mais com seu rei governando tão longe de Portugal, e se rebelaram para que o Brasil voltasse a ser uma colônia. Dom João foi para Portugal acalmar os ânimos e, de bobo não tinha nada, deixou o herdeiro Pedro por aqui para garantir o reino. Pedro, outro esperto, acabou declarando a independência do Brasil do resto do Reino Unido em 1822, só para ter um reino bacana para si mesmo, proclamando-se Dom Pedro I, imperador do Brasil. A meu ver, se já éramos uma nação independente e alguém vem e se separa do resto do reino proclamando outro governo, isso é um:
4) Golpe de Estado. É isso mesmo. Nosso tão patriótico 7 de Setembro foi um golpe de estado. Aliás, nossas mudanças históricas são cheias de golpes de estado. O próprio Pedro II foi levado aos 14 anos à governança do Império por meio do Golpe da Maioridade! Quer ver nosso próximo golpe de estado? A proclamação da república! Nosso segundo maior feriado patriótico foi outro golpe de estado, e um golpe militar. Qual o próximo golpe de estado? A revolução de 1930. O presidente senão o mais popular da nossa história, Vargas, foi um golpista. E quem não se esqueceria de nosso último golpe de estado (ainda bem que paramos com isso!)? O único golpe que recebeu o nome de golpe mesmo, o Golpe de 1964. Esse não legou muitos simpatizantes. E é claro que a redemocratização do país no final da década de 1980 não se deu por mais um golpe, mas isso porque os militares desistiram do regime. Portanto, as únicas duas transformações políticas históricas no nosso país que não foram golpes foram a promoção do Brasil de colônia para metrópole e a redemocratização atual (170 anos depois!). O resto foi golpe. Pelo menos uns cinco: Um monarca (a própria independência), um parlamentar (golpe da maioridade), um civil (Vargas) e dois militares (República de 1889 e militares em 1964). Brasileiro adora ser eclético. Falando nisso:
5) Você conhece algum caso de colonizador proclamando a independência da colônia? Percebeu que quem tirou o Brasil do status de colônia promovendo-o a reino com Portugal e quem proclamou uma independência a nosso favor foram dois portugueses? E não quaisquer portugueses, foram os donos, os próprios reis! Já pensou em ingleses promovendo a independência dos Estados Unidos? Já pensou no herdeiro do trono da Inglaterra declarando a independência dos Estados Unidos? Isso só acontece no Brasil, gente!
Pronto. Acho que esses dados nós não aprendemos na escola nem nos desfiles de 7 de Setembro, por isso o mito da independência do Brasil permanece. Mas os mitos deveriam ser bons (ou melhor, úteis) se estimulassem o orgulho nacional de forma construtiva e progressista, mas aqui no Brasil, onde as mudanças costumam vir de cima para baixo, esse mito só traz aquela união que é festeira, passageira - sabe aquele patriota de fim-de-semana? Por isso, certos mitos deveriam ser desmistificados. Isso não tira o mérito do que aconteceu. Só o torna mais realista.
Por fim, essa divagação histórica leva-me a alguns outros devaneios:
1) Se Pedro I tivesse segurado a onda nós seríamos ainda hoje parte da Europa? Oba, União Européia, Euro... Que nada! Nós expulsamos nossa família real daqui e os portugueses expulsaram a deles de lá também, e proclamamos nossas repúblicas. Se bem que:
2) A França não é Monarquia e a Guiana Francesa virou França. Pelo menos posso falar para os portugueses:
3) “Fazemos fronteira com a França. Lero-lero.Vocês também queriam mas têm que aturar a Espanha”. É isso mesmo. A Guiana Francesa é parte da França, parte da União Europeia, portanto, a Guiana Francesa é a França, e o Brasil faz fronteira com a França, e pronto (Aliás, a maior fronteira da França é com o Brasil!- 730 km). E a única forma do Brasil conseguir uma barbada assim é:
4) Fazer com que Brasil e Portugal escolham o retorno do regime monárquico para seus países em plebiscito, e depois os filhos dos reis se casam e declaram novamente Reino Unido de Portugal e Brasil e assim o Brasil volta a fazer parte da Europa, e entra pra União Europeia. É, deixa essa história de Reino Unido pra lá.
O importante é que, seja em 7 de setembro ou seja em qualquer dia do ano, sinta-se parte da história desse país. Independência é liberdade, e liberdade traz responsabilidade. A História nos ensina que é bom usá-la, não é mesmo?