UM FATO VERÍDICO DA MINHA INFÂNCIA- COLHENDO GABIROBAS
COLHENDO GABIROBAS
Nasci no interior de S.Paulo, e toda a minha infância vivia numa pequena cidade, na divisa com o Paraná, chamada Paraguaçu Paulista. Tínhamos muito pouca diversão, e para ajudar mais, meu pai era super severo. Não me deixava sair do portão sozinha.
Nossa infância foi difícil, meu pai lutava muito para sobreviver e criar os 5 filhos que vieram com diferença de 2 anos cada um, menos eu, a mais velha, e meu irmão mais novo, cuja diferença foi de 1 ano e dois meses.
Apesar de sermos muito tolhidos e vigiados, meu pai adorava fazer coisas que as pessoas da roça gostam de fazer, como criar galinhas, criar galos de briga (sua paixão), criar coelhos, criar pelo menos um ou dois porcos no fundo do quintal, e assim tínhamos carne e gordura pelo ano todo. Não havia geladeira, e tudo era conservado salgado, dentro da própria gordura do animal.
Havia outra coisa, que todos os anos fazíamos. No período da gabiroba, íamos os cinco filhos e meu pai para o mato, em alguma tarde, catar gabiroba no mato.
Era uma delícia! Havia umas grandes, bem maiores que a uva Itália, talvez o dobro do tamanho e eram deliciosas, docinhas. Comíamos diretamente do pé, pois não havia agrotóxicos nem poluição.
Ao sairmos havia um ritual. Primeiro colocávamos botas, camisas de mangas compridas para não arranhar os braços, e alho nos bolsos das calças, para afastar as cobras.
Chegamos, algumas vezes a encontrar algumas cobras, mas com o cheiro que exalava de longe, do alho nos bolsos, elas fugiam rapidinho.
Meu pai ainda brincava. "Alho espanta até o capeta" rsrssr - e a gente achava ótimas estas citações dele.
Apesar de ele ser muito severo, quando começava a fazer gozação e brincadeiras, não havia quem aguentasse. Era muita risada. Chegávamos a chorar de rir.
Bom, voltando à catação de gabirobas, numa tarde daquelas de safra pegamos o Gordini azul que tínhamos, e a criançada se juntou nele, menos minha mãe que não gostava, e fomos ao nosso passeio anual, logo após o almoço.
Lá chegando, catamos muita gabiroba. Levávamos sacolas de pano que minha mãe costurava para nós, uma para cada um, presas à cintura, e todos nós mato adentro, sempre perto do meu pai para não nos perdermos.
Éramos obedientes, e ai de nós se não fôssemos. Chegávamos à casa, tinha uma surra, que já podíamos esperar.
Ficamos por lá umas três horas naquela tarde. Saímos logo depois do almoço e voltamos por volta das 16horas, pois papai ainda tinha que dar aulas no período noturno, e neste dia ele tinha esta folga à tarde.
Ao chegarmos, meu pai deu falta dos óculos. Ninguém sabia onde tinham ido parar os óculos dele, que normalmente não saíam do rosto.
Procuramos embaixo dos bancos do carro, pela casa, dentro das sacolas, por todos os lados, e nada... Como dar aulas sem enxergar, principalmente à noite? Ele começou a ficar nervoso e bravo!
Sem saber o que fazer, comentou o fato com um vizinho que também era professor, e este disse:- Professor Alair, conheço um rapaz que é vidente. Ele é capaz de ver onde estão seus óculos e levá-lo até eles!
Meu pai nunca foi chegado a estas coisas, mas a causa era nobre, e ele não podia esperar ou deixar de dar aulas. Já estava perto das 17hs e a primeira aula dele era às 20hs.
Como era período de verão, só anoitecia em Paraguaçu por volta das 21hs, e no desespero de causa, meu pai aceitou chamar o dito vidente para resolver o problema iminente. ( até rimei rsrsr)
Lá se foi o professor vizinho, correndo atrás do vidente para ajudar meu pai.
Uns 20 minutos depois chegam os dois lá em casa. Meu pai contou a ele a história, e explicou que a última lembrança dele era de que estava suando e tirou os óculos no meio do mato para passar um lenço no rosto, pois fazia muito calor. Depois disto, não se lembrava de mais nada.
O rapaz se concentrou, pediu silêncio a todos e disse:- Estou vendo seus óculos pendurados em um galho de uma árvore pequena.
Todo mundo riu, achou o máximo isto ser verdade. Ninguém acreditou, mas meu pai tirou a prova. Não havia outro jeito.
- Então vamos comigo lá neste lugar buscá-los. Você é capaz de localizar o lugar?
O rapaz disse que sim, e mais que depressa, o professor vizinho, o vidente e meu pai seguiram pela mesma estrada, e pararam no mesmo lugar onde meu pai deixara o carro quando fomos na primeira vez. Entraram pelo mesmo caminho, uma pequena trilha que fizemos, pois meu pai, ao entrar no mato, sempre levava um facão e cortava o serrado para que não nos arranhássemos muito, e ia fazendo a trilha na nossa frente.
Por esta trilha o vidente entrou, e os outros dois foram atrás. Foram andando, andando em silêncio. Num dado momento, o rapaz falou:- Os óculos estão aqui! Todos os três pararam, e ele se direcionou para um lado. Os óculos estavam mesmo pendurados num galho de uma árvore de gabiroba. Foi uma festa!
Quando meu pai chegou à casa, estava eufórico! Se ele deixasse de dar aquelas aulas, deixaria de receber um dinheirinho que fazia diferença no orçamento.
Deu uma gorjeta para o vidente, correu para tomar um banho, comeu rapidamente alguma coisa e depois de meia hora estava novamente no carro, com seus óculos fujões indo rumo ao colégio, todo feliz da vida!
Aquele dia ficou marcado na minha memória, e hoje conversando com uma pessoa que encontrei na rua, de repente, esta história me veio à lembrança. Não poderia deixar de dizer que no colégio, naquela noite, o assunto do momento foram os óculos do Prof. Alair, recuperados pelo vidente no meio do mato . A maior façanha, numa cidadezinha do interior em que nunca acontecia nada de extraordinário.
Neuza Maria Spínola