Carnaval franciscano


     Alguns amigos, foliões aposentados como eu, quiseram saber como se faz um carnaval franciscano. Falara nisso tantas vezes, que terminei por deixá-los intrigados e perplexos.
     Houve até quem me perguntasse se São Francisco, nos seu tempos de intensa boemia, pulara carnaval, e eu respondi que não sabia.
  A maioria desses amigos conhece bem o meu relacionamento com o santo de Assis, que é antigo e aqui confirmo, muito proveitoso.
  Os que já estiveram em minha casa, viram que livros franciscanos, de autores religiosos e leigos, ocupam um razoável espaço nas minhas estantes. E ainda puderam admirar a coleção de são-francisquinhos que exponho, com destaque, numa prateleira do meu gabinete.
   São miniaturas, mais de trinta, do Poverello, que comprei nas minhas andanças pelo mundo. Agora mesmo, trouxe de Assis duas pequenas imagens que estão fazendo o maior sucesso.
     Outras me foram dadas em datas marcantes, pelo menos para mim, como, por exemplo, no dia do meu aniversário; o melhor presente.
    Como disse, não soube responder aos amigos se Francisco de Assis, em algum momento de sua vida boêmia, tinha brincado carnaval. Mas não duvido que tal tenha acontecido.
   Francisco, segundo seus biógrafos, foi um moço "cançonetista e jogral". Um cara muito alegre, antes de se converter, deambulou pelas ruas estreitas e sinuosas de sua acolhedora Assis, cantando belas cantigas, em prolongadas "farras".
   Vejam o que o historiador francês Jacques Le Goff escreveu sobre Francesco: "Em que passava o tempo o jovem Bernardone? Nos divertimentos de seu tempo, nada  mais: nos jogos, no ócio, nos bate-papos, nas canções, e em matéria de roupas andava sempre na moda. Talvez - frisa - procurasse eclipsar seu companheiros tentando ser o cabeça do que se chamou com grande exagero de jeunesse dorée de Assis".
    Quando estive, recentemente, na Úmbria, e andei pelas ladeiras íngremes da encantadora cidadezinha seráfica, parei, diversas vezes, para sentir a presença do Poverello. Leonardo Boff escreveu que, andando pelas ruas de Assis, cria-se no visitante aquela expectativa de, na próxima esquina, encontrar Francisco. E foi exatamente isso que senti, no dia que subi ao Monte Subásio.

     De propósito, dei a esta crônica o titulo de Carnaval franciscano. Ao escolhê-lo, moveu-me o desejo de, polemizando, chamar a atenção dos meus poucos leitores para o que, em verdade, escolhera como tema desta simplória prosa. 
   Pelo que, a seguir, vou escrever, o melhor título seria, sem dúvida, este: Carnaval entre franciscanos.
   Senão, vejamos. Estou de malas prontas para passar o carnaval no Seminário franciscano de Ipuarana, no coração do brejo paraibano, onde estudei no início da década de 1950.  Para melhor situá-lo, digo que ele fica nas proximidades da cidade de Campina Grande. Acho que a 10km.
     E aqui vão alguns dados sobre o Seminário de Ipuarana. O nome Ipuarana. Seu significado, encontrei no livro Sombras e Luzes do meu caminho, do saudoso Carlos Almeida - na Ordem Franciscana, Frei Filipe. Diz ele: "Ipuarana ou Ipauarana é a tradução indígena do nome Lagoa Seca, e a meu ver uma forma bem mais sonora e simpática do topônimo."
    Esclarecendo, em seguida, que, em 1939, o nome da cidade de Lagoa Seca havia sido mudado para Ipauarana, retornando, tempos depois à forma antiga. E finalizou: " Porém, o nome de Ipuarana ficou até hoje perpetuado no Convento dos franciscanos: Convento de Ipuarana". 
     O Seminário, fundado no dia 28 de janeiro de 1942 e desativado no dia 3 de dezembro de 1971, recebeu o mesmo nome.  Acolhia jovens - na maioria jovens pobres - vindos dos colégios franciscanos do Ceará (Canindé e Tianguá); de Pernambuco (Triunfo); e da Paraíba (João Pessoa).
   Ipuarana começou a funcionar com, apenas, 57 alunos; em 1960, mantinha, nas suas salas de aula, 243 seminaristas. Teve momentos de glória, com um corpo docente formado por frades do mais elevado gabarito intelectual e por um corpo discente integrado por alunos brilhantes.
      Professores no meu tempo: Frei Marcelo Gerken, Frei Paulo Kleinken, Frei Albino Poppemberg, Frei Vital Boklage, Frei Silvério Albuquerque, Frei Adriano Hypólito, Frei Manfredo Pantenburg, Frei Filipe de Almeida, Frei Feliciano Trigueiro, Frei Artur Rockeres, Frei Lúcio Reher e Frei Floriano Leownau. 
   Sem esquecer, claro, os queridos Irmãos leigos, que aqui homenageio nas pessoas de Frei Mauricio Helcias, Frei Cosme Nunes e Frei Melquior Carneiro, o da Terra Santa.
   Nos seus 31 anos de existência, o Seminário Seráfico de Ipuarana formou centenas de bons cidadãos e entregou à Igreja dezenas de sacerdotes virtuosos e cultos. 

     Mas o Seminário de Ipuarana fechou. 
   Resistiu, resistiu, mas fechou. Por que fechou?  Não sei dizer.
   Vou limitar-me a transcrever o que, comemorando os 30 anos de sua fundação, escreveu, na Revista Santo Antônio, julho de 1972,  Frei Carlos Almeida:.
   Disse o reverendo: "Sim, por que Ipuarana teve que fechar? As razões últimas e profundas, penso que não poderão ser apresentadas aqui, não por razões de sigilo ou conveniência, mas pelo simnples fato de não serem suficientemente conhecidas. Talvez nem possam nunca ser apresentadas."  
   E ressalta: "As verdadeiras  razões, na minha opinião, estão intimamente relacionadas com a atual problemática da Igreja em crise, dos seminários e vocações em crise."
   Parece que o tempo se encarregou de confirmar a tese de Frei Carlos Almeida, que não sei se é o saudoso Frei Filipe de Almeida Pereira. 

      Mas o momento é de festa. Durante o carnaval, dezenas de ex-alunos estarão de volta aos aconchegantes claustros do velho seminário, saudando e aplaudindo, no mais perfeito e legítimo espírito franciscano, o querido Ipuarana, agora setentão

FOTO - O Seminário Franciscano

                 Ipuarana - Paraíba   
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 03/02/2010
Reeditado em 08/12/2020
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