Tenho certo cuidado com esses rompantes de “passar a vida a limpo”, fazer um “balanço geral”, “listar perdas e ganhos”. Por covardia, assumo, pois não sei se quero encarar o resultado.

O que eu sei é que quando as coisas ficam complicadas passamos a listar os problemas priorizando a necessidade e aí vem a saudade do tempo em que a lista era feita priorizando desejos.

A etapa seguinte é a lista das coisas que desejamos possuir novamente, feita de acordo com a intensidade da falta que sentimos de cada uma que já tivemos e perdemos.

Bom, até aqui a vida ainda está razoável, pois ainda conseguimos fazer listas o que significa que nem tudo está perdido ou ainda conseguimos enxergar a famosa luz, mesmo que seja uma pequena claridade, no fim do túnel.

A luz desaparece, a coisa fica preta, a ficha cai e todos os alarmes são acionados quando:

O orçamento grita em agonia antes da metade do mês;

Adquirimos o estranho hábito de velar insones o sono dos filhos que dependem de nós;

Conseguimos ficar sentados em frente à TV, como zumbis, olhando sem ver aquele insuportável programa de auditório;

Não fazemos nem cara feia ao saber que o parente “mala”  e fofoqueiro vem nos visitar.

Nesse ponto vem a saudade da época em que a dor que sentíamos era por um amor não correspondido ou que se foi e nos damos conta de que sequer lembramos mais o que é tristeza por um amor perdido ou o frisson que um beijo pode causar.

Queremos sentir de novo como é ser filha, mas o pai não está mais logo ali adiante e a mãe, nessas inversões loucas da vida ou de Deus, virou filha de novo.

Queremos ouvir de novo o som da nossa própria risada, que já nem lembramos como é.

Queremos, enfim, encontrar um jeito de achar que a vida pode ser maravilhosa.