Doce inocência
Na minha meninice, no meu Gerais querido; eu e outros meninos, vizinhos de rua, pés descalços; lembro-me como se fosse hoje, ali no meio da lama no campinho de bola, ansiosos pelo sol, implorando pra que ele secasse a terra pra gente jogar futebol. Eram tantos os pedidos, até reza a gente fazia, tinha simpatia de toda ordem, tinha um tal olho de boi, que segundo Eliseu, era tiro e queda. “Com o calcanhar firme e a ponta do dedão tocando o chão, era só girar o corpo até fechar o circulo, fazendo assim a figura do olho de boi’’. E vem chuva, ora forte ou fina. De repente um olho de sol, meio tímido, mas era um olho de sol, e agora era só tirar o par ou ímpar e começar o jogo, mas só tinha nove, e nove é número indivisível pra jogar pelada, fui correndo em casa chamar meu irmão que havia desistido da pelada por conta da chuva, cheguei feliz e gritando: “Biu, Biu, vem logo que a chuva foi embora”! Nós fizemos a simpatia do olho de boi que Eliseu ensinou e ela foi embora! Ele falou que se a gente fizer um tanto na beirada do campo ela fica um tempão longe! Os meninos já fizeram mais de quinze”.
Jogamos bola por toda manhã. No outro dia, mais pelada, no outro também, no outro, no outro...
A seca veio pra valer, daquela ultima chuva, daquele bendito dia de chuva já havia passado mais de cem dias, tudo que meu pai havia plantado se perdeu, meu coraçãozinho se apertava de tanto remorso. Ficava triste só de pensar o quanto fomos egoístas naquela manhã. Tive muito medo que meu pai descobrisse o mau feito e me aplicasse um corretivo pra que eu e nunca mais cometesse tal asneira.
Eu não saía de casa, não queria ver o terreiro tão seco, nem olhava pros lados do campinho. Só ouvia a algazarra da meninada, ficava por entender porque tanto riso e tanta alegria, porque o sofrimento era só meu. Na vizinhança todas as roças foram perdidas. Milho, feijão, o pasto estava se acabado e os animais padecendo com a seca. Alguns sitiantes que tinham um pouco mais de recurso é que tinham como acudir os animais. A horta de nossa casa era só o monturo de terra seca, mais parecia um cemitério, e era, pois, tudo ali havia morrido.
Numa noite, já sem saber o que fazer eu ajoelhei perto da minha cama e rezei. "Pai do Céu, tira esse aperto do meu coração, faça a chuva voltar! Te prometo que nunca mais faço olho de boi, nem mesmo se um dia houver uma enchente.Amém”.
Pela manhã quase morri de tanta alegria, o tempo estava nublado e não demorou a chover. Corri e contei ao meu pai tudo que agente tinha feito e que a minha reza tinha trazido a chuva de volta. Ele sorriu, me abraçou e disse: “Tome esse dinheiro. Vá à venda e compre as sementes, ainda a tempo de plantar.