BUM!
É como um raio tocando o chão. Você acorda e o embrulho no estômago diz que algo não está certo. A sensação física, a voz grave que ecoa das entranhas, comenta algo. Não é um aviso. Nem escárnio. O vazio que vai tomando conta, balançando as tripas do ponto mais sensível do corpo e tocando com seus dedos avulsos receptáculos outrora protegidos, simplesmente constata, entre suspiros, com uma lucidez exemplar: “e então tudo dói.”
Penso no que tinha escrito em um bloquinho qualquer tempos atrás. Penso no que pensei enquanto escrevia no bloquinho; umas letras soltas, bestas, bem próximas, até simpáticas. Era engraçado. Também lembro do Cortázar - que sempre aparece - do Tarkovsky, do Berg, do Sagan, do Bolaño. Tudo ao mesmo tempo. Tudo tão longe. Longe. Agora é só o raio tocando o chão de sempre, o chão do corpo, o chão do ponto mais dolorido que pode existir sem você se dar conta, sem poder explicar, só sentir, sentir e ponderar, e admitir que no meio desse vazio que dói sem explicação habita o básico, aquilo que foi estudado lá pros idos da oitava série, primeiro ano, sei lá, quando tudo era mais simples – letras feias no caderno preto -, com a minha professora, lá no centro da sala, de giz na mão, tentando me fazer entender que sim, de acordo com Rousseau, e isso vai cair na prova, o homem é um animal doente. Concordo, professora, e agora, no meio dessa descarga elétrica que me atinge continuamente enquanto tento dormir, andar, conversar ou respirar, e agora, no meio dessas trajetórias sinuosas e ramificações irregulares, poderia a senhora me dizer, apesar de tudo, poderia a senhora escrever ali no quadro qual é a porra do remédio?