Papo calcinha - Episódio I: DESENVOLTURA



     No saguão lotado de um aeroporto tentava me concentrar lendo ora um livro, ora uma revista, ora fazendo palavras cruzadas, aguardando uma conexão que não chegava. A madrugada se arrastava tediosa e, cansada de ficar sentada, frequentemente me levantava para ir ao banheiro, tomar mais um café, comer algo, esticar as pernas.
     Numa dessas voltas conheci no balcão do café uma garota que reclamava de dor nas pernas. Olhei e vi o salto agulha da bela e altíssima sandália  que lhe apertava os dedos. Sorri e sugeri que trocasse por algo mais confortável. Agradeceu-me pela dica e perguntou sobre meu voo. Descobrimos que era o mesmo. Lembrei-a então que talvez ficássemos muito tempo por ali, já que não havia previsão de saída.
     Concordou comigo e saiu. Pouco depois sentou do meu lado calçando uma sandália de dedo. Iniciamos uma conversa. Eu voltava para casa depois de uma maratona de trabalho ela voltava para passar as férias com a família. Tinha em média uns 25 anos, era pequena, de uma beleza exótica, meio índia. Falava alto, animada, chamando a atenção de quem estava do nosso lado.
     Riso fácil, fala solta, divertida. Estava adorando aquele tricô com ela, pois o tempo parecia passar mais rápido. Contou que estava fora do Brasil há quatro anos, mas que estava louca para ficar um tempo por aqui. Milão era linda, mas sentia saudades do calor e do mar de Maceió e queria saber as novidades do estado, do Brasil.
     Contou também que dava aulas de dança em um clube chique e estudava, que saíra de Maceió com um namorado e que alguns meses depois o namoro acabara, mas ela arriscou ficar mais um tempo e deu certo. Agora de férias, ficaria apenas um mês na terrinha e retornaria, pois sua vida já estava organizada por lá.
     Curiosa feito um vira-lata, eu estimulava a conversa com algumas perguntas e ela não se fazia de rogada, satisfazendo minha curiosidade. Quis saber por que não dera certo o seu namoro já que o rapaz demonstrara tanto empenho ao levá-la com ele.                Respondeu-me na lata: “O homem italiano não sabe foder”.
     Nem preciso dizer o efeito da resposta da moça. Minhas companheiras de trabalho e viagem arregalaram os olhos enquanto “quinhentos olhares” nos dissecavam. Dei uma gargalhada e perguntei: - E você não teve nenhuma disposição para “ensinar”?
- Nem disposição nem paciência. Arranjei outros, mas tudo uns merdas (sic). Ainda bem que tenho uns amigos brasileiros que quebram meu galho...

     Saiu para buscar uma água e eu fiquei morrendo de rir. Minhas colegas diziam “é uma maluca!” no que pareciam concordar outras pessoas sentadas do nosso lado que ouviram a conversa. Lembrei imediatamente de um amigo que havia comentado de sua surpresa quando uma amiga de anos pediu para ser excluída de sua lista de emails quando ele circulou um poema de Adélia Prado cuja frase CU É LINDO,* escandalizou-a.Imagino se tivesse enviado um Drummond ou um Bilac erótico...
     Refleti comigo que por mais modernos que aparentemos ser, falar de sexo com essa desenvoltura ainda não é algo do nosso universo. Quanto a mim, escandalizo-me com a fome, com a banalização da violência, com a corrupção, com o desrespeito pela vida. Mas não se preocupem. Quero deixar bem claro que por formação e convicção sou adepta dos eufemismos, em QUASE todas as circunstancias.
     Esclareço ainda que PAPO CALCINHA é o blog alto astral da ótima jornalista Denise do Egito (Reflexões sobre os encontros e desencontros da vida numa ótica feminina e inteligente) que desde 2008 comenta nosso mundinho feminino com muito bom humor e sensibilidade.
“PAPO CALCINHA” meio que virou sinônimo de assunto de mulher, tanto é que o canal Multishow (GLOBOSAT) apresenta também UM PROGRAMA com 04 lindas meninas falando absolutamente tudo sobre sexo, sem nenhum constrangimento ou preconceito. Durante o programa falam muito, comentam suas preferências, contam experiências e ...Já vi alguns programas e aquilo lá é que é DESENVOLTURA prá mais de metro...Segue abaixo o poema "libidinoso" da Dona Adélia.



*Objeto de Amar

Adélia Prado

De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem que me oprima a sensação de um roubo:
CU É LINDO!

Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdoo, eu amo.