OS BICHOS DE MINHA VIDA ( PARTE 2)
Jira foi aos poucos tomando todas as atenções da casa. Era o xodó da família. No gramado em frente à casa, os canteiros já não eram tão floridos, Jira geralmente passeava por eles, deixando um rastro de destruição onde passasse. Mas, até mesmo isso era perdoado, como não aceitar as peraltices de uma filha récem-chegada? Os empregados da casa eram unânimes: Jira era persona non grata. Mas, estávamos sempre por perto para aparar as arestas nesse conturbado relacionamento.
Logo Jira aprendeu onde eram guardadas as batatas. Tornou-se para ela uma questão de honrra enfrentar os empregados para ter como prêmio, uma batata doce, sua iguaria predileta. Quase sempre se seguia uma reclamação que preferíamos não escutar.
Mas, o pior estava por vir. Apesar de ter uma vida de rainha, Jira tinha alma de cigana e sempre fazia das suas. Quando por acaso encontrasse o portão aberto, ela corria para a liberdade. Desnecessário dizer, que as fugas de Jira eram acompanhadas de choro dos meninos, desesperados com a ausência da irmã mais nova. A cada fuga, uma busca se seguia. Por vezes tínhamos que colocar anúncios nos jornais e rádios. Geralmente íamos resgata-la no depósito da prefeitura. Paga a multa, lá voltávamos nós. A família estava novamente completa, para nossa alegria e tristesa dos visinhos e empregados.
Bem, um dia, Jira foi além dos limites de suas fugas. Em vão nossa luta para recuperá-la. Os meninos não se contínham e nos cobravam a presença de Jira. Com o passar dos dias, a fuga de Jira tomou proporções enormes. Muitos amigos se juntaram a nós na procura de Jira. Nossa angústia ia aumentando. Depois de longos cinco dias de palpites furados, de idas e vindas ao depósito da prefeitura, já estávamos exaustos da procura.
Mas, eis que, passando por uma rua central da cidade, avisto num quintal de uma casinha, uma jumenta. Aos meus olhos, Jira. Na mesma hora, telefonei para meu marido, que prontamente abandonou a aula e veio ter comigo para enfrentar-mos o resgate de Jira.
Batemos palmas em frente à casa. Era uma casa modesta. Logo um senhor nos atendeu, e, falamos que aquela jumenta que ele tinha em seu quintal, era nossa. O homem retrucou: essa jumenta é minha. Trabalho com ela na carroça. Ao lado de casa uma carroça reafirmava o que ele estava dizendo. Bem, depois de um bate-boca, resolvemos "comprar" Jira ao homezinho, que prontamente recebeu o cheque com um adeuzinho na porta de casa.
Amarramos Jira no para-choque do nosso carro, e, voltamos triunfantes, loucos para contar aos meninos nosso precioso achado. Naquele dia, a manchete do artigo de Luis Crispim " Jira apareceu".
Só ao chegar em casa, as descobertas foram acontecendo. Jira estava ferida no rosto e no lombo. Mas, cade a alegria de Jira? Cade o carinho pelos meninos, cade a procura por batatas? A essa altura começamos a questionar. Jira mudou tanto em tão poucos dias...uma dúvida cruel começou a nos assaltar. E, se o homem estivesse certo e essa jumenta não fosse nossa filha?
Continuem lendo os próximos capítulos dessa saga.