É só um pão!

Sexta-feira, final de tarde, cansada depois de um dia de trabalho um pouco difícil, chego em casa, jogo-me no sofá já tirando os sapatos, quando lembro que havia esquecido de comprar pão.

Respirei fundo, lembrei de tudo que estou lendo sobre a importância de emanar boas energias, não superestimar pequenas contrariedades, ter sempre pensamentos positivos e, colocando em prática, argumentei comigo mesma que afinal eu tinha que caminhar apenas três quadras até a padaria.

Coloquei os sapatos e lá fui exalando bons fluidos, lindas energias e quase conseguindo ver minha aura belíssima.

O elevador demorou um pouco e quando parou no meu andar estava lotado, o que não é comum. Quando digo “lotado” não estou apenas usando a expressão empregada usualmente; digo “lotado” no sentido literal da palavra.

Como obviamente não entraria no elevador, sorrio, até por uma questão de cordialidade para as pessoas que estão "espremidas" dentro do elevador e enquanto a porta se fecha noto que nenhuma delas retribuiu a minha simpatia. Bom, penso eu, é compreensível.

Como são dois elevadores “sociais” fico aguardando que o outro pare no meu andar.

Nesse momento, a mulher do síndico – sim, eu moro em frente ao apartamento dele – aparece e avisa que o outro estava “em manutenção”. Por uma questão de justiça devo dizer que o síndico do meu prédio é uma pessoa extremamente simpática e excelente administrador.

Vou pelo “de serviço”, disse eu, sorrindo agradecida pela informação. Ela sorriu de volta, mas pareceu aquele tipo de sorriso “amarelo”. Enquanto pensava sobre isso o elevador chegou e ela apressou-se em abrir a porta. A visão que tive esclareceu minhas dúvidas sobre aquele sorriso.

Havia um carrinho, desses em que se carrega compras de mercado, cheio. Havia também sacolas ocupando o espaço em torno do carrinho e outras, sobrepostas a elas.

A mulher olhou-me e sua expressão variava do desespero a um pedido de desculpas de quem nem sabe ao certo que culpa tem.

Sorrindo e tentando dar ao sorriso um significado do tipo “ah, isso não é nada”, mas não muito confiante do meu sucesso, comecei a ajudá-la na empreitada de retirar todos aqueles volumes de dentro do elevador.

Após uma breve análise do “arranjo” de sacolas, começamos pelas que estavam por cima da pilha.

Confesso que senti um certo desespero, como uma leve vontade de bater a cabeça na parede ou arrancar umas mechas de cabelo quando, ao retirar as primeiras, percebi que havia um número muito maior de sacolas do que eu imaginara, espremidas em cada mínimo espaço daquele elevador.

Sem parar para pensar – a idéia de bater a cabeça estava ficando mais insistente – comecei a colocar as sacolas no chão. Revendo a cena mentalmente, creio que ataquei as sacolas como uma arqueóloga louca que resolvesse fazer a escavação da tumba de um faraó de nome impronunciável com as próprias mãos.

Em algum momento do “tira sacola do elevador/coloca sacola no chão” notei que só eu estava pegando as sacolas e, as que eram retiradas não estavam acumulando-se no corredor.

Percebi, então, que a mulher, numa decisão unilateral, pegava as sacolas e levava direto para seu apartamento. Confesso que cogitei avançar sobre ela e nocauteá-la com o maço de aipo em uma das mãos e o amaciante na outra, mas ponderei que seria melhor liberar o elevador.

Quando tirei a última caixa de leite longa vida, estava descabelada, suada, a blusa manchada por um líquido rosa que, pelo cheiro, parecia ser iogurte de morango.

Encostada na parede ainda ofegante pelo esforço ouço o familiar barulho do elevador social chegando. A porta se abre e sai o síndico e Dona Nena, moradora do 12º andar.

O síndico olhava para mim de forma estranha, desde os cabelos desgrenhados até os sapatos enfeitados por uma gota rosa, do mesmo tom da mancha na minha blusa.

Meu bem, disse-me Dona Nena, olha só o que eu trouxe para você. E mostrando um enorme pão feito por ela mesma completou: “você trabalha tanto e está tão magrinha!”

Eu comecei a chorar e, não como choram nos filmes, naquelas cenas lindas, lágrimas escorrendo pelas faces. Não, eu soluçava alto enquanto me jogava nos braços de Dona Nena que, me embalando dizia:

“Mas é só um pão!”