EXERCÍCIO LITERÁRIO

Passaram-se os dias com a lentidão insuportável inerente aos sofrimentos, e as horas nem davam conta de tanto tempo sob a gélida agonia cotidiana. O sol nascia escaldante a queimar os infelizes sob seus arrogantes raios, demorando a se por como se anos fossem necessários, não somente uma manhã e a tarde, para atingir o ocaso. Contava os segundos, arrastava-se. Quando finalmente a lua beijava o mar despertando o prazer parecia que ainda mais devagar a noite caminhava pelo seu incansável trajeto. Tudo demorava, cada instante simulava cruel punhalada certeira nas traves do coração.

Contei pássaros sobrevoando árvores esquecidas pelos devastadores, anotei o número de todas as moscas e mosquitos se aventurando pelas plagas do meu universo, assisti ao farfalhar das folhas das mangueiras, dos coqueirais e das roseiras, percebendo o cair delas de quando em vez. Vi aviões sulcando nuvens e deixando violentos rastros de fumaça que aos poucos se desfaziam em nada, porém o céu, toldado ante a intrusa presença atrevida do brinquedo humano, deixava-se entrever enfurecido escurecendo o seu azul. Um inesperado arco-íris cruzando o espaço de Leste a Oeste acentuou deveras o ressentimento do infinito.

Quando as sementes de girassol jogadas na terra pelo semeador ainda estavam sendo germinadas pelas mãos sábias da natureza e a vida prosseguia essa interminável jornada rumo ao desconhecido, as garras do tempo faziam de mim um simples joguete com o qual se divertia às gargalhadas. Então a adrenalina explodia em meu corpo se disseminando enlouquecida, o coração disparava pressionado pelo furor da ânsia, os olhos intumescidos se negavam a derramar as lágrimas represadas em seus condutos lacrimais, o olhar se perdia sem domínio a nada ver, a não desejar senão o quedar-se inerte e o silêncio da angústia contida.

Os minutos eram horas, estas, dias, estes, semanas, estas, meses, todos em uníssono contribuindo para o recrudescimento da amargura e o latejar das têmporas desesperadas. No âmago desse redemoinho anunciado e no entanto inesperado, pude enxergar teu lindo sorriso passando rapidamente por mim com a brisa sussurrando gloriosas doçuras, mas logo desaparecendo por entre as brumas negras da noite sombria. Sorrindo, tu contendias com a agonia sem conseguir vencê-la, eu lá entre esse teu sorrir iluminado e as agruras pavorosas consumindo minha alma na lentidão temporal. Por que?

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 01/02/2010
Reeditado em 09/02/2024
Código do texto: T2062457
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