O MACHADO E EU

Hoje, sentada na varanda de casa, lendo um livro de contos, lembrei-me de um dia semelhante a este, perdido na história da minha vida: uma tarde chuvosa de inverno, em que eu estava sentada nessa mesma varanda, lendo uma outra coletânea de contos, cujo autor era Machado de Assis. Fazia muito frio naquele dia e lembro de estar vestindo uma blusa de lã cinza.

Da varanda, eu podia ver as gotas de chuva, o pátio molhado, com suas plantas quase sem folhas e a uma piscina vazia. Não sei dizer com certeza qual era o título da obra que eu estava lendo, mas lembro que fiquei encantada com as histórias e senti muita inveja do Machado.

Ah... como aquele homem podia escrever tão bem? Eu queria tanto ser como ele! Queria tanto ser escritora! Fiquei sonhando com o dia em que eu teria o imenso prazer de ler uma história minha, publicada em livro. Fiquei imaginando cada detalhe: qual seria a sensação de ter o tal livro nas mãos? Como eu me sentiria ao ler meus próprios contos e ao ver meu nome assinando a obra?

Naquele momento cinza da minha vida, eu estava passando por muitas atribulações: o ano era 2003, minha mãe havia retirado um câncer de mama e estava em tratamento. A quimioterapia a deixava muito debilitada e a sombra da morte andava rondando a minha casa. Eu estava estudando para prestar vestibular no fim do ano, o curso escolhido havia sido Letras, mas se minha mãe viesse a falecer, eu sabia que todos os meus planos seriam abortados. Eu demoraria muito tempo para me recuperar e reencontrar o caminho.

Mas voltando ao Machado, uma das características que eu mais aprecio nesse escritor, é aquela famosa “paradinha” que ele faz no meio da trama para “bater um papo” com o leitor. Por isso, anos mais tarde, ao escrever meus próprios textos, acabei fazendo a mesma coisa... “Você, caro leitor, que está lendo esta história...”.

Bem, eu escrevi tudo isso por que gostaria de compartilhar com você, caro leitor, o fato de que hoje quando eu estava sentada na varanda de casa, a tarde estava cinza e chuvosa e eu estava lendo uma coletânea de contos. Só que dessa vez, era uma tarde de verão, as plantas do meu pátio estavam cheias de folhas e flores e bem na minha frente havia um vaso com girassóis enormes que eu mesma plantei. Havia muitos pássaros no céu e eu podia ouvi-los cantar. A piscina estava cheia e eu vestia um biquíni colorido. Minha mãe está bem viva e com bastante saúde, graças à mãe lá de cima. Eu fui para universidade no início de 2004, me formei no final de 2007 e os contos que eu estava lendo, eram meus, assinados por mim. Foram publicados em mais de uma antologia no final de 2009.

“Golpe a golpe, passo a passo.

Caminhante, não há caminho,

o caminho é feito ao andar.”

(António Machado)

A Alquimista
Enviado por A Alquimista em 31/01/2010
Reeditado em 31/01/2010
Código do texto: T2062149
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